A ORDEM SOCIAL
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O DIREITO E O TRATO
SOCIAL
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Brígida C.
T. Rodrigues, com a colaboração de Armindo Moisés Kasesa Chimuco
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30-04-2011
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INTRODUÇÃO
O homem é um ser cuja natureza contem duas
dimensões: uma biológica e outra cultural.
Na dimensão cultural se
inclui a necessidade natural que o homem tem dos outros. Mas nessa relação com
os outros homens o homem precisa de regras que o regulem, pois ele tem
necessidades cuja satisfação só é possível pelo recurso a bens escassos, sendo
por isso necessária a regulação do acesso e do uso dos bens de modos a permitir
a subsistência das relações. Para tanto o homem tem a medida da sua evolução,
criado normas (religiosas, morais, de trato social e de direito), tendentes a tornar essa convivência cada vez
mais pacífica e benéfica para todos os participantes deste mundo cultural do
homem, que é a sociedade.
Há séculos que se têm feito estudos sobre as
relações entre o direito criado pelo Estado e o trato social criado por usos e
costumes.
Nos primeiros dias da
civilização era tudo visto como sendo uma só coisa pois havia uma plena
coincidência entre as disposições do direito, do trato social, da moral e da
religião. Estando todos eles delimitados pelo poder religioso, pois os reis,
legisladores entendia-se serem enviados de deuses e as sociedades eram regidas
por códigos rígidos de educação cuja origem se atribuía aos deuses.
Somente com a
laicização do Estado e o surgimento do Estado liberal que surgiram nítidas
diferenças entre as diferentes ordens.
O problema a que
propusemos tratar aqui é o da relação existente entre o direito e o trato
social, as diferenças, as convergências e a natureza da relação que entre eles
existe.
De uma forma hipotética
entendemos existir uma relação de cooperação e subsidiariedade entre ambos uma
vez que ambos são formas de ordens que visam regular relações sociais, podendo
assim contribuir para o desenho de um quadro identificador e delimitador de
cada um dos conceitos aqui em análise (Direito e trato Social.
Com o apoio
bibliográfico elencado no fim deste texto, fizemos o seguinte esboço sobre a
questão:
No primeiro capítulo
fizemos uma abordagem sobre o conceito e caracterização do trato social.
No segundo capítulo
abordamos o Direito apresentando a sua definição e consequente caracterização.
No capítulo final
fizemos uma abordagem sobre a relação Direito ≠ Trato Social, elencando os
pontos de convergência, de divergência e caracterizando a relação que entre
eles existe.
1. Introdução
O
conceito trato social é muitas vezes confundido com o conceito moral e em
outros casos confundido com o conceito direito.
Neste
capítulo poderemos abordar de modo resumido a definição do conceito trato
social e a sua caracterização.
2.
Definição
E Figuras Afins
O
trato social é um conceito constituído por duas palavras de origem etimológica
latina: trato ( do latim tractu que
significa acordo) e social ( do latim sociale
que significa feito para a sociedade); assim teríamos trato social definido
como acordo feito para a sociedade.
Com
A. Santos Justos Diremos que, As normas
de trato social, também chamadas usos sociais, regras de etiqueta ou de boa
educação, normas convencionais ou ainda costumes são usos ou convencionalismos
sociais destinados a tornar a convivência mais agradável. Dedicam-se a direcção
da maioria dos actos dos seres humanos: a forma de vestir, saudar, e responder
a uma saudação, oferecer presentes a certas pessoas em determinadas épocas,
retribuir um a visita, dar os pêsames aos familiares de uma pessoa falecida,
agradecer as pessoas pela ajuda, desculpar-se quando fizer mal
involuntariamente, etc.( A. Santos Justos - Introdução ao estudo de Direito
4ªEdição, Coimbra Editora 2009, Pag. 28).
O
trato social tem elementos em comum com o Direito, nomeadamente a
hetero-vinculação e a coação, mas tem elementos claros de divergência entre os
dois, semelhanças e dissemelhanças que analisaremos no terceiro capítulo.
Este
conceito ainda tem alguns elementos de convergência com a moral, pois tanto uma
como a outra são ordens sociais, têm ambos um carácter de unilateralidade, e a
infra-estadualidade ( não produção nem reconhecimento pelo Estado).
O
trato social não deve ser confundido com a ordem religiosa, pois que aquela
visa regular a relação entre o homem e um ser que ele acredita ser superior a
si.
3.
Características
As
normas de cortesia têm as seguintes características:
a)
Impessoais
As
normas do trato social, têm origem numa vontade abstracta, manifestada através
usos e práticas sociais regularmente respeitados.
b)
Coactivas
Impõem-se
através da pressão exercida pelo grupo social a que se pertence e a sua
inobservância é punida com diversas sanções: a perda de prestígio e dignidade,
a marginalização e o afastamento do grupo, etc.
CAPÍTULO II – O DIREITO
1.
Introdução
A
abordagem sobre a definição de direito tem dado azo a muitos problemas e
divergências existindo quem afirme a sua inviabilidade. Porém esta abordagem
constitui o alicerce para a compreensão de qualquer outra questão relacionada
ao direito.
2.
Definição
A
palavra direito vem do latim directum,
particípio passado do verbo dirigere
(dirigir) composto pela partícula di (exprimindo
ideias de firmeza e estabilidade) e o verbo regere
(reger, governar).
O
termo direito tem sido usado em diversos sentidos:
a)
Sentido objectivo é a virtude de
atribuir a cada um o seu direito. É o objecto da justiça (visão de Mário
Bigotte Chorão);
b)
Sentido subjectivo é o poder ou a
faculdade que compete às pessoas relativamente ao que é seu. É o poder ou
faculdade , provindos do direito objectivo, que Chorão chama de normativo, de
que dispõe uma pessoa e que se destina normalmente à realização de um interesse
juridicamente relevante.
c)
Sentido Normativo é o conjunto de normas
e princípios gerais, abstractos e bilaterais, que regulam a vida social
recorrendo a coercibilidade para a garantia do cumprimento das suas
disposições. Conjunto de regras gerais, abstractas, hipotéticas e dotadas de
coercibilidade, que regem as relações numa dada comunidade. A generalidade da
doutrina tende a chamar este sentido de sentido de sentido objectivo, deixando
de fora o sentido objectivo que nos é apresentado por Chorão.
d)
Sentido técnico é a ciência que estuda
as soluções da aplicação das normas e princípios de direito. É a arte do justo.
O
direito em síntese define-se como sendo a ordenação da convivência humana
segundo a justiça.
3.
Características
Do Direito
Os
elementos caracterizadores do direito são:
1.
Necessidade
– resulta da natureza social do homem. O direito como cosmos cultural pois representa
um todo tendencialmente coerente, que traduz um esforço cultural necessário
para compensar o carácter deficiente do homem. Entende-se que pela sua
deficiência biológico-instintiva, impôs-se ao homem uma segunda natureza de
modos a se ordenar adequadamente;
2.
Alteridade
– o direito regula relações entre os homens em sociedade. Comunicando,
produzindo, e consumindo bens, isto é, convivendo. O direito regula o homem
enquanto ser com os outros. Sem mais de um homem não há direito.
3.
Imperatividade
– a essência do direito é um dever-ser a que se deve obedecer
incondicionalmente, isto é independentemente das nossas vontades. Nas
sociedades democráticas a vontade dos destinatários do direito já tem maior
relevância, que se manifesta na escolha do legislador e na escolha ainda que
indirecta dos mais altos aplicadores do direito (Juízes do Tribunal Supremo, do
Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas) e ainda dos Procurador-Geral
da República e ainda do Provedor da Justiça. Para além disso, existem normas
que não são imperativas, tem-se apresentado como exemplo as normas supletivas:
susceptíveis de ser afastadas pela vontade das partes;
4.
Coercibilidade
– é a susceptibilidade de aplicação pela força das sanções prescritas pelo
direito. Aponta-se como excepção a essa regra as obrigações naturais: as que
não são susceptíveis de ser realizadas pela força estatal própria do direito.
5.
Exterioridade
– as normas jurídicas regulam relações que se manifestam exteriormente.
Entende-se porém que, ao se preocupar com o grau de culpa, a negligência e ao
identificar a partir deste grau que se define a responsabilidade criminal e em
algumas circunstâncias a responsabilidade civil
6.
Estatalidade
ou política – entende-se ainda que o direito é uma
realidade estatal, pois é uma realidade criada ou reconhecida pelo Estado. Se
tem alegado existirem actualmente centros de criação jurídica infra-estaduais
(ordens profissionais, confederações, etc.)
e supra-estaduais ( organizações internacionais), facto que afastaria a
estatalidade ou política do elenco das características do direito. Entendemos
porém que apesar destes centros de criação normativa, a eficácia das normas
jurídicas necessita sempre da intervenção política ou estadual. É a autoridade
política estadual (Presidente da República e Parlamento) que atribui eficácia a
tais normas.
Enfim,
o direito pode ser definido como sendo um conjunto de normas que, necessárias a
convivência humana, se inspiram e fundamentam numa ideia de justiça e têm na
coercibilidade um importante factor de eficácia.
CAPÍTULO
III – RELAÇÃO ENTRE O DIREITO E O TRATO SOCIAL
1.
Introdução
Após
definição e caracterização quer do direito quer do trato social, estamos em
condições de descrevermos a relação existente entre os dois conceitos
Começaremos
por fazer uma abordagem dos elementos de convergência, em seguida faremos uma
abordagem dos elementos de divergência e no fim determinaremos uma hierarquia
entre elas.
2.
Elementos
de convergência entre o direito e o trato social
Já
elencamos e definimos o conteúdo de cada uma das características dos dois
conceitos com que estamos a trabalhar:
a)
Tanto o direito quanto o trato social
são elementos da segunda natureza humana, são produtos da cultura e surgiram
para tornar a vida social possível, uma vez que a natureza bio-instintiva do
homem não o permite.
b)
Tanto o direito quanto o trato social se
impõe de forma imperativa aos seus destinatários
c)
Tanto um como o outro têm coercibilidade
ou a força para garantia do cumprimento das suas disposições.
d)
Tanto um como o outro são ordens heterónimas,
não se preocupando com a vão se preocupando com as motivações dos
comportamentos
3.
Elementos
de divergência
Apesar
de muito próximos como vimos, eles têm essenciais diferenças:
a)
O direito regula o núcleo mínimo,
fundamental para a sustentabilidade da sociedade. Enquanto o trato social
regula um círculo mais amplo da vida social, chegando em alguns momentos a
violar o direito.
b)
A forma e a natureza das sanções e da
coercibilidade nos dois ramos da ordem social é diferente sendo que na ordem
jurídica temos a sanção institucionalizada, com limites bem determinados,
enquanto no trato social a sanção é imprevisível e indeterminada.
c)
As
normas do trato social são impessoais e unilaterais enquanto as normas de
direito são bilaterais, atribuindo para cada dever um direito àquele
correspondente.
4.
Hierarquia
entre o Direito e o trato social
Depois
de elencar os elementos de convergência e de divergência entre os conceitos,
cabe agora fazer uma breve abordagem sobre a possível hierarquia entre ambos.
Dissemos
que a sanção do direito é institucionalizada e os órgãos que as aplicam são os
legalmente competentes e nos termos previstos expressamente em lei.
Dissemos que o direito disciplina o núcleo
fundamental de comportamentos necessário para a manutenção e sustentação da
sociedade.
Dissemos
ainda que em caso de violação das normas jurídicas o seu criador, o Estado
reage ignorando a vontade, a liberdade e em alguns casos a vida do seu
violador.
Por
isso, é do nosso entender que o direito é a ordem fundamental da sociedade,
suplantável apenas, em alguns países
pela religião, mas em nosso caso, o angolano, o direito é a supreme order ou ordem suprema do
Estado. Sendo assim o Direito, na segunda natureza do homem ocupa um lugar
cimeiro servindo de correcção para as demais normas da natureza cultural do
homem.
Contudo
o direito encontra-se num nível superior em relação ao trato social.
Em
síntese o Direito é um conceito essencialmente diferente do Trato social,
apesar dos elementos de que comungam. Entre o direito e o trato social existe
uma relação de hierarquia na medida em que o Trato Social não deve ser
contrário ao direito, estando, por isso, o direito acima do trato social. Mas
também de subsidiariedade, pois que, na criação interpretação e integração de
lacunas do Direito o trato social desempenha um papel fundamental. Sendo o
Trato Social subsidiário para o Direito.
Ø José Pedro Machado
- Dicionário etimológico de Língua portuguesa, Segundo Volume Livros Belo
Horizonte, Lisboa 6ª Edição 1990
Ø Mário Bigotte Chorão
– Direito, in Polis Enciclopédia VERBO da Sociedade e Do Estado 2, Verbo Lisboa 1984
Ø Santos Justos
- Introdução ao estudo de Direito 4ªEdição, Coimbra Editora 2009