quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Ordem Social



UNIVERSIDADE GREGÓRIO SEMEDO                                                                                     curso de direito                                                                            
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   Universidade agostinho neto                  
faculdade de direito  
A ORDEM SOCIAL
O DIREITO E O TRATO SOCIAL

Brígida C. T. Rodrigues, com a colaboração de Armindo Moisés Kasesa Chimuco
30-04-2011











INTRODUÇÃO
 O homem é um ser cuja natureza contem duas dimensões: uma biológica e outra cultural.
Na dimensão cultural se inclui a necessidade natural que o homem tem dos outros. Mas nessa relação com os outros homens o homem precisa de regras que o regulem, pois ele tem necessidades cuja satisfação só é possível pelo recurso a bens escassos, sendo por isso necessária a regulação do acesso e do uso dos bens de modos a permitir a subsistência das relações. Para tanto o homem tem a medida da sua evolução, criado normas (religiosas, morais, de trato social e de direito),  tendentes a tornar essa convivência cada vez mais pacífica e benéfica para todos os participantes deste mundo cultural do homem, que é a sociedade.
  Há séculos que se têm feito estudos sobre as relações entre o direito criado pelo Estado e o trato social criado por usos e costumes.
Nos primeiros dias da civilização era tudo visto como sendo uma só coisa pois havia uma plena coincidência entre as disposições do direito, do trato social, da moral e da religião. Estando todos eles delimitados pelo poder religioso, pois os reis, legisladores entendia-se serem enviados de deuses e as sociedades eram regidas por códigos rígidos de educação cuja origem se atribuía aos deuses.
Somente com a laicização do Estado e o surgimento do Estado liberal que surgiram nítidas diferenças entre as diferentes ordens.
O problema a que propusemos tratar aqui é o da relação existente entre o direito e o trato social, as diferenças, as convergências e a natureza da relação que entre eles existe.
De uma forma hipotética entendemos existir uma relação de cooperação e subsidiariedade entre ambos uma vez que ambos são formas de ordens que visam regular relações sociais, podendo assim contribuir para o desenho de um quadro identificador e delimitador de cada um dos conceitos aqui em análise (Direito e trato Social.
Com o apoio bibliográfico elencado no fim deste texto, fizemos o seguinte esboço sobre a questão:
No primeiro capítulo fizemos uma abordagem sobre o conceito e caracterização do trato social.
No segundo capítulo abordamos o Direito apresentando a sua definição e consequente caracterização.
No capítulo final fizemos uma abordagem sobre a relação Direito ≠ Trato Social, elencando os pontos de convergência, de divergência e caracterizando a relação que entre eles existe. 
  
  
  CAPÍTULO I – O TRATO SOCIAL
1.     Introdução

O conceito trato social é muitas vezes confundido com o conceito moral e em outros casos confundido com o conceito direito.
Neste capítulo poderemos abordar de modo resumido a definição do conceito trato social e a sua caracterização.
2.           Definição E Figuras Afins

O trato social é um conceito constituído por duas palavras de origem etimológica latina: trato ( do latim tractu que significa acordo) e social ( do latim sociale que significa feito para a sociedade); assim teríamos trato social definido como acordo feito para a sociedade.
Com A. Santos Justos Diremos que, As normas de trato social, também chamadas usos sociais, regras de etiqueta ou de boa educação, normas convencionais ou ainda costumes são usos ou convencionalismos sociais destinados a tornar a convivência mais agradável. Dedicam-se a direcção da maioria dos actos dos seres humanos: a forma de vestir, saudar, e responder a uma saudação, oferecer presentes a certas pessoas em determinadas épocas, retribuir um a visita, dar os pêsames aos familiares de uma pessoa falecida, agradecer as pessoas pela ajuda, desculpar-se quando fizer mal involuntariamente, etc.( A. Santos Justos - Introdução ao estudo de Direito 4ªEdição, Coimbra Editora 2009, Pag. 28).
O trato social tem elementos em comum com o Direito, nomeadamente a hetero-vinculação e a coação, mas tem elementos claros de divergência entre os dois, semelhanças e dissemelhanças que analisaremos no terceiro capítulo.
Este conceito ainda tem alguns elementos de convergência com a moral, pois tanto uma como a outra são ordens sociais, têm ambos um carácter de unilateralidade, e a infra-estadualidade ( não produção nem reconhecimento pelo Estado).
O trato social não deve ser confundido com a ordem religiosa, pois que aquela visa regular a relação entre o homem e um ser que ele acredita ser superior a si.

3.           Características

As normas de cortesia têm as seguintes características:
a)            Impessoais
As normas do trato social, têm origem numa vontade abstracta, manifestada através usos e práticas sociais regularmente respeitados.
b)            Coactivas
Impõem-se através da pressão exercida pelo grupo social a que se pertence e a sua inobservância é punida com diversas sanções: a perda de prestígio e dignidade, a marginalização e o afastamento do grupo, etc.


CAPÍTULO II – O DIREITO

1.           Introdução

A abordagem sobre a definição de direito tem dado azo a muitos problemas e divergências existindo quem afirme a sua inviabilidade. Porém esta abordagem constitui o alicerce para a compreensão de qualquer outra questão relacionada ao direito.

2.           Definição

A palavra direito vem do latim directum, particípio passado do verbo dirigere (dirigir) composto pela partícula di (exprimindo ideias de firmeza e estabilidade) e o verbo regere (reger, governar).
O termo direito tem sido usado em diversos sentidos:
a)            Sentido objectivo é a virtude de atribuir a cada um o seu direito. É o objecto da justiça (visão de Mário Bigotte Chorão);
b)            Sentido subjectivo é o poder ou a faculdade que compete às pessoas relativamente ao que é seu. É o poder ou faculdade , provindos do direito objectivo, que Chorão chama de normativo, de que dispõe uma pessoa e que se destina normalmente à realização de um interesse juridicamente relevante.
c)            Sentido Normativo é o conjunto de normas e princípios gerais, abstractos e bilaterais, que regulam a vida social recorrendo a coercibilidade para a garantia do cumprimento das suas disposições. Conjunto de regras gerais, abstractas, hipotéticas e dotadas de coercibilidade, que regem as relações numa dada comunidade. A generalidade da doutrina tende a chamar este sentido de sentido de sentido objectivo, deixando de fora o sentido objectivo que nos é apresentado por Chorão.  
d)           Sentido técnico é a ciência que estuda as soluções da aplicação das normas e princípios de direito. É a arte do justo.
O direito em síntese define-se como sendo a ordenação da convivência humana segundo a justiça.

3.           Características Do Direito

Os elementos caracterizadores do direito são:
1.            Necessidade – resulta da natureza social do homem. O direito como cosmos cultural pois representa um todo tendencialmente coerente, que traduz um esforço cultural necessário para compensar o carácter deficiente do homem. Entende-se que pela sua deficiência biológico-instintiva, impôs-se ao homem uma segunda natureza de modos a se ordenar adequadamente;
2.            Alteridade – o direito regula relações entre os homens em sociedade. Comunicando, produzindo, e consumindo bens, isto é, convivendo. O direito regula o homem enquanto ser com os outros. Sem mais de um homem não há direito.
3.             Imperatividade – a essência do direito é um dever-ser a que se deve obedecer incondicionalmente, isto é independentemente das nossas vontades. Nas sociedades democráticas a vontade dos destinatários do direito já tem maior relevância, que se manifesta na escolha do legislador e na escolha ainda que indirecta dos mais altos aplicadores do direito (Juízes do Tribunal Supremo, do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas) e ainda dos Procurador-Geral da República e ainda do Provedor da Justiça. Para além disso, existem normas que não são imperativas, tem-se apresentado como exemplo as normas supletivas: susceptíveis de ser afastadas pela vontade das partes;
4.             Coercibilidade – é a susceptibilidade de aplicação pela força das sanções prescritas pelo direito. Aponta-se como excepção a essa regra as obrigações naturais: as que não são susceptíveis de ser realizadas pela força estatal própria do direito.
5.            Exterioridade – as normas jurídicas regulam relações que se manifestam exteriormente. Entende-se porém que, ao se preocupar com o grau de culpa, a negligência e ao identificar a partir deste grau que se define a responsabilidade criminal e em algumas circunstâncias a responsabilidade civil
6.            Estatalidade ou política – entende-se ainda que o direito é uma realidade estatal, pois é uma realidade criada ou reconhecida pelo Estado. Se tem alegado existirem actualmente centros de criação jurídica infra-estaduais (ordens profissionais, confederações, etc.)  e supra-estaduais ( organizações internacionais), facto que afastaria a estatalidade ou política do elenco das características do direito. Entendemos porém que apesar destes centros de criação normativa, a eficácia das normas jurídicas necessita sempre da intervenção política ou estadual. É a autoridade política estadual (Presidente da República e Parlamento) que atribui eficácia a tais normas.   
Enfim, o direito pode ser definido como sendo um conjunto de normas que, necessárias a convivência humana, se inspiram e fundamentam numa ideia de justiça e têm na coercibilidade um importante factor de eficácia.

  
CAPÍTULO III – RELAÇÃO ENTRE O DIREITO E O TRATO SOCIAL

1.           Introdução

Após definição e caracterização quer do direito quer do trato social, estamos em condições de descrevermos a relação existente entre os dois conceitos
Começaremos por fazer uma abordagem dos elementos de convergência, em seguida faremos uma abordagem dos elementos de divergência e no fim determinaremos uma hierarquia entre elas.

2.            Elementos de convergência entre o direito e o trato social

Já elencamos e definimos o conteúdo de cada uma das características dos dois conceitos com que estamos a trabalhar:
a)            Tanto o direito quanto o trato social são elementos da segunda natureza humana, são produtos da cultura e surgiram para tornar a vida social possível, uma vez que a natureza bio-instintiva do homem não o permite.
b)            Tanto o direito quanto o trato social se impõe de forma imperativa aos seus destinatários
c)            Tanto um como o outro têm coercibilidade ou a força para garantia do cumprimento das suas disposições.
d)           Tanto um como o outro são ordens heterónimas, não se preocupando com a vão se preocupando com as motivações dos comportamentos

3.           Elementos de divergência

Apesar de muito próximos como vimos, eles têm essenciais diferenças:
a)            O direito regula o núcleo mínimo, fundamental para a sustentabilidade da sociedade. Enquanto o trato social regula um círculo mais amplo da vida social, chegando em alguns momentos a violar o direito.
b)            A forma e a natureza das sanções e da coercibilidade nos dois ramos da ordem social é diferente sendo que na ordem jurídica temos a sanção institucionalizada, com limites bem determinados, enquanto no trato social a sanção é imprevisível e indeterminada.
c)             As normas do trato social são impessoais e unilaterais enquanto as normas de direito são bilaterais, atribuindo para cada dever um direito àquele correspondente.

4.            Hierarquia entre o Direito e o trato social

Depois de elencar os elementos de convergência e de divergência entre os conceitos, cabe agora fazer uma breve abordagem sobre a possível hierarquia entre ambos.
Dissemos que a sanção do direito é institucionalizada e os órgãos que as aplicam são os legalmente competentes e nos termos previstos expressamente em lei.
 Dissemos que o direito disciplina o núcleo fundamental de comportamentos necessário para a manutenção e sustentação da sociedade.
Dissemos ainda que em caso de violação das normas jurídicas o seu criador, o Estado reage ignorando a vontade, a liberdade e em alguns casos a vida do seu violador.
Por isso, é do nosso entender que o direito é a ordem fundamental da sociedade, suplantável apenas, em alguns países  pela religião, mas em nosso caso, o angolano, o direito é a supreme order ou ordem suprema do Estado. Sendo assim o Direito, na segunda natureza do homem ocupa um lugar cimeiro servindo de correcção para as demais normas da natureza cultural do homem.
Contudo o direito encontra-se num nível superior em relação ao trato social.      

  CONCLUSÃO
Em síntese o Direito é um conceito essencialmente diferente do Trato social, apesar dos elementos de que comungam. Entre o direito e o trato social existe uma relação de hierarquia na medida em que o Trato Social não deve ser contrário ao direito, estando, por isso, o direito acima do trato social. Mas também de subsidiariedade, pois que, na criação interpretação e integração de lacunas do Direito o trato social desempenha um papel fundamental. Sendo o Trato Social subsidiário para o Direito.



     BIBLIOGRAFIA
Ø  José Pedro Machado - Dicionário etimológico de Língua portuguesa, Segundo Volume Livros Belo Horizonte, Lisboa 6ª Edição 1990
Ø  Mário Bigotte Chorão – Direito, in Polis Enciclopédia VERBO da Sociedade e Do Estado 2,  Verbo Lisboa 1984
Ø  Santos Justos - Introdução ao estudo de Direito 4ªEdição, Coimbra Editora 2009

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sistemas de Vigência do Direito Internacional na Ordem Jurídica Interna


Universidade agostinho neto
faculdade de direito


trabalho de PREPARAÇÃO PARA o simulado de pretória


Armindo Moisés Kasesa Chimuco

francisco sebastião marcos ngola











OS SISTEMAS DE VIGÊNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL NA ORDEM INTERNA






















Maio, 2011















I -Introdução

            O caso hipotético, objecto de estudo para o Tribunal Simulado de Pretória, levanta, dentre várias questões,  uma, que do nosso ponto de vista, parece de capital importância: a da vigência do direito internacional na ordem jurídica interna.

            É opinião comum na doutrina que a escolha do sistema de vigência do Direito Internacional na ordem interna depende da teoria que for adoptada para a solução do problema da relação entre o direito internacional e o direito interno. Portanto, para sua compreensão, entendemos necessário fazer recurso, ainda que de forma sucinta, às diversas teorias elaboradas pela doutrina internacionalista e constitucionalista que propuseram soluções para este problema, nomeadamente, as doutrinas dualista ou pluralista e monista.

            O Estado de Dosmoon apesar de ter ratificado um número considerável de tratados internacionais apenas domesticou parcialmente, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (art. 2º a 27º). O que, desde logo, levanta a questão de saber se Dosmoon terá violado algum dos preceitos dos instrumentos internacionais relevantes para os Direitos Humanos por ele ratificados. Ora, o artigo 114.º da Constituição de Dosmoon, dispõe que os tratados internacionais devem ser domesticados e convertidos em lei nacional antes de produzirem efeitos na sua ordem jurídica interna. Essa questão, tal como o dissemos, remete-nos à discussão do sistema adoptado por este Estado para a vigência do direito internacional na sua ordem interna, ou seja, remete-nos para o problema das técnicas ou cláusulas de incorporação, cuja, denominação varia, normalmente, conforme as exigências técnico - constitucionais para a relevância do Direito Internacional na ordem jurídica interna.

            Através de um olhar atento a doutrina salta-nos à vista a existência de, pelo menos, três destes sistemas, nomeadamente: Sistema da transformação do Direito Internacional em Direito Interno; Sistema da cláusula geral de recepção automática plena; e o Sistema da cláusula geral da recepção semi-plena ou sistema misto.

         
II - Sistema da transformação do Direito Internacional em Direito Interno

             Pelo qual o Direito Internacional só vigora na Ordem interna se, e na medida em que, cada norma internacional for transformada em Direito Interno através de um diploma legal emanado de acordo com as normas de direito constitucional do respectivo Estado.

             Essa transformação pode ser explícita (se a norma internacional é objecto de um acto normativo interno) ou implícita (se no processo de aprovação internacional da norma, se inserem actos de órgãos do Estado, passíveis de conferir eficácia interna à dita norma)

Este sistema é característico dos Estados que adoptam a solução dualista nas relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno.
Segundo a Tese ou Concepção Dualista (Triepel  - doutrina da Vereinbarung -  e Anzilotti), o Direito Internacional só vale na esfera estadual depois de recebido ou transformado em Direito Interno, não havendo possibilidade de conflitos entre sistemas, dado que o Direito Internacional e o Direito Interno não regem o mesmo tipo de relações, ou seja, a  norma interna vale independentemente da regra do direito internacional, mas a norma internacional só é válida quando transformada em lei interna.  

III - Sistema da cláusula geral de recepção automática plena ou sistema de incorporação global das normas internacionais

            Segundo este sistema, o Estado reconhece a plena vigência de todo o Direito Internacional na Ordem Interna, isto é, o Estado prevê a vigência da norma do direito internacional independentemente do seu objecto.

            A Recepção pode ser plena (quando há formalidades a respeitar para a recepção do Direito Internacional na Ordem interna, designadamente, uma norma que exige a sua publicação), como pode ser uma recepção automática (quando as normas internacionais são directamente aplicáveis na Ordem jurídica interna sem necessidade de quaisquer formalismos, portanto, impõem-se sem que os órgãos estaduais tenham sequer que proceder à sua publicação)

            Poderá haver cláusulas gerais de recepção plena só de tratados ou só de costumes.

            Constitui um corolário da concepção monista com primado do Direito Internacional das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno, proposto por Hans Kelsen e também por Savigny.

Recorda-se que a teoria monista conhece duas nuances: Um monismo com primado do direito internacional e outro com primado do direito interno, este último, tendo as suas raízes especialmente na concepção Hegeliana (com seguidores como Zorn, Erich Kaufmann, Max wenzel, Jellineck e Decendière), sustenta a não existência de duas ordens jurídicas diferentes mas apenas de uma, que é justamente a ordem jurídica estadual. De forma que o chamado Direito Internacional Público não passaria de um “direito estadual externo”, quer dizer, uma obrigação surgida na livre vinculação do Estado (tese moderada), ou reduzir-se-ia até a uma declaração de intenções sobre o comportamento futuro, não resultando qualquer tipo de responsabilidade para o Estado que, fosse qual fosse o motivo, acabasse por fazer letra morta do prometido (tese radical). A ideia geral é, pois, a de que “o Direito Internacional obriga, porque provém da própria vontade do Estado, vincula porque é, todo ele, Direito Interno”
O monismo com primado na ordem jurídica internacional, que mais nos interessa, aqui e agora, sustenta que a ordem jurídica é homogénea e não são as normas internas que se situam num plano superior, mas são antes as normas internacionais, que, estendendo a sua eficácia directamente ao interior dos Estados, não podem ser contrariadas pelas primeiras, sob pena de nulidade das mesmas. Desenvolvendo este ponto de vista, os Monistas de Direito Internacional chegam a conclusões como esta: o poder dos órgãos estaduais é-lhes delegado pela comunidade internacional, sendo o Estado um ente não soberano, dado a soberania residir, em última análise, naquela comunidade, que seria a “detentora da competência das comunidades”. O monismo com primado do Direito Internacional pode porém ser radical (KELSEN)- em todo e qualquer caso a regra interna que contrária a internacional é nula; ou moderado (Verdross) – o legislador nacional tem um campo amplo de liberdade de acção, chegando na prática a conclusões bem próximas das do dualismo.

IV - Sistema da cláusula geral da recepção semi-plena ou sistema misto

            Segundo o qual, o Estado não reconhece a vigência automática de todo o Direito Internacional, mas somente sobre certas matérias. A cláusula geral de recepção semi-plena, provocará a vigência interna de um grupo de normas internacionais identificadas pelo objecto comum. Dito de outro modo, Encontramos uma cláusula de recepção semi-plena, quando a Constituição, consagrando um sistema misto, permite que as normas com dado conteúdo vigorem no espaço jurídico interno sem outra formalidade que não seja a publicação, exigindo para a vigência das restantes normas: a transformação.

Portanto, este sistema resulta da adopção cumulativa de concepções monistas e dualistas, e valem aqui, as posições acima esgrimidas.

V - Considerações finais

A observação da prática demonstra que todos os Estados de formas diversas asseguram a vigência do direito internacional, sendo que em casos omissos a jurisprudência tem presumido a adopção da recepção automática plena o que só se pode explicar pela adopção do ponto de vista monista.

Não obstante a tese monista com primado de direito internacional , resultado da negação do voluntarismo e traduzido na ideia de a ordem interna ceder em caso de conflito com o direito internacional, ser, na visão dos autores internacionalistas, a preponderante hoje,  sendo a corrente mais consentânea com o actual estado das relações internacionais na comunidade internacional, a dogmática internacional entende ainda que a escolha do sistema de vigência é, normalmente, operada pelo Estado através da constituição, em respeito ao princípio da soberania dos Estados, embora isto não o exime de respeitar os princípios basilares da comunidade internacional, sendo que estes se impõem automaticamente a qualquer Estado. 

Do nosso ponto de vista, a constituição do Estado de Dosmoon adoptou, em princípio, o Sistema da transformação do Direito Internacional em Direito Interno. Da leitura do artigo 114.º da Constituição do Estado de Dosmoon resulta que o Direito Internacional só vigora na Ordem interna se e na medida em que cada norma internacional for transformada em Direito Interno através de um diploma legal emanado de acordo com as normas de direito constitucional do Estado (domesticação). A transformação adoptada é explícita, porquanto, a norma internacional é objecto de um acto normativo interno. Sendo, portanto, um Estado de feição dualista no que toca as relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno.

Embora seja esse o sistema consagrado na Constituição de Dosmoon, pensamos que, por um lado, os princípios de direito Internacional comuns as nações civilizadas, os Costumes Internacionais e a Jurisprudência relevantes para a tutela dos direitos humanos são aplicadas automaticamente na ordem jurídica interna de Dosmoon, por outro, para os tratados sobre matéria de direitos humanos  vigorarem na ordem jurídica interna de Dosmoon não precisam do recurso ao mecanismo de transformação do mesmo em lei interna pois aqui se está num campo tão fundamental para a comunidade Internacional, em que se reconhece pela doutrina e pelas outras fontes de Direito Internacional a vigência automática dos Tratados, pois estes contêm as chamadas  normas jus cogens ou normas imperativas. Portanto, quanto ao Direito Internacional Geral, não é necessário qualquer acto de recepção ou de transformação para que o juiz interno o aplique.

Por exemplo, a translação dos Dosmi da sua zona para o outro lugar configura, ao nosso ver, uma violação aos arts. 7º e seguintes da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por se ter violado os seus direitos fundamentais, por isso, esse artigo é aplicado independentemente da sua transformação na ordem interna de Dosmoon. 

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, segundo Ana Maria Guerra Martins, só pode ser, verdadeiramente, eficaz se libertar-se da competência nacional exclusiva e assumir-se que a protecção do ser humano só pode ser assegurada fora do quadro das relações entre Estados. E é o que vai (está) a acontecer. Demonstrando assim a irrelevância do princípio da exclusividade nacional no campo da protecção dos direitos humanos

Esta posição, acaba por inquinar o sistema de transformação do Direito Internacional em Direito Interno, pelo que no Estado de Dosmoon vigora um sistema com pendor misto ou semi – pleno, a exemplo do que acontece com muitos Estados, sendo um sistema de equilíbrio entre as duas ordens.

Assim a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, a convenção Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, a convenção Sobre os Direitos Económicos sociais e Culturais, a Convenção sobre os Direitos da Criança, A convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação Contra A Mulher , a Convenção Quadro das Nações Unidas de 1992 Sobre as Mudanças Climáticas, A Carta Africana sobre os Direitos do Homem e dos Povos, A Carta Africana sobre os Direitos e bem-estar das Crianças, o Protocolo da Carta Africana Relativo Aos Direitos da Mulher em África, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, A Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas (nativos),  vigoram em Dosmoon Independentemente da sua domesticação, pois, tal como o dissemos, estes diplomas contêm normas de carácter imperativo para os Estados.


























Referências Bibliográficas
Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional 7ª Edição 2003.
Cunha, Joaquim da Silva e Maria da Assunção Do Vale Pereira, Manual de Direito Internacional Público, 2ª Edição Almedina Coimbra 2004;
Martins,  Ana Maria, Direito Internacional Dos Direitos Humanos, Almedina, Coimbra 2006;
Moncada, António Cabral de, Curso de Direito Internacional Público, I Volume, Livraria Almedina, Coimbra 1998;
 Pereira, André Gonçalves e Fausto de Quadros,  Manual de Direito Internacional Público, 3º edição, 7ªReimpressão, Almedina 2007;
Soares, Albino De Azevedo, Lições de Direito Internacional Público, 4ª edição, reimpressão, Coimbra Editora 1996;