segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Abandono de Trabalho


O Abandono de Trabalho
I.              Introdução
Nas relações jurídicas que tenham um duração mais ou menos grande, visando tutelar a liberdade económica, especialmente a liberdade contratual, o legislador deve e tem consagrado mecanismos que permitam a cada uma das partes a faculdade de se exonerar da relação jurídica com ou sem justa causa e a qualquer momento. Sendo a relação jurídico-laboral uma relação jurídica de prestação duradoura, não foge a regra, havendo apenas a particularidade de nesta relação, sendo que as normas jurídicas que o regulam, tendem a proteger os interesses do trabalhador, favor laboratoris, confere esta faculdade apenas ao trabalhador, e ao empregador atribui numa situação, isto é, na comissão de serviços (art.º 257.º Lei Geral do Trabalho adiante LGT ). Ao trabalhador são reconhecidos o direito a resolução do contrato por justa causa respeitante ao empregador (art.º 251.º LGT), resolução de contrato por justa causa estranha ao empregador (art.º 252.º LGT), a denúncia com aviso prévio do contrato, definida pela lei (art.º 253.º LGT), como rescisão do contrato sem justa causa e a denúncia tácita ou imediata, regulada e definida por lei como abandono de trabalho (art.º 254.º LGT). O abandono do trabalho é uma forma de extinção unilateral da relação jurídico-laboral por vontade do trabalhador. É a manifestação da denúncia tácita no contrato de trabalho.
II.           Definição E Elementos Da Definição
O abandono de trabalho é a denúncia tácita do Contrato de trabalho, consiste na ausência do trabalhador do serviço, acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não o retomar (Leitão, 2010, p. 511) – Art.º 254.º n.º 1 LGT.
 Desta definição podemos denotar os elementos caracterizadores do abandono de trabalho:
a)             A ausência do trabalhador ao serviço – um dos principais elementos do abandono do trabalhado é a ausência do trabalhador ao serviço, isto é, é o não comparecimento do indivíduo que voluntariamente se obriga a colocar a sua actividade profissional ao serviço de um empregador, mediante remuneração no âmbito da organização e sob autoridade e direcção deste, ao centro de trabalho onde exerce a sua actividade com regularidade e permanência, sem dar directa ou indirectamente qualquer notícia ao empregador;
b)             Forte Probabilidade de não regressar ao trabalho – outro elemento importante do abandono do trabalho é outro elemento do abandono do trabalho é a manifesta ou presumida intenção do trabalhador de não voltar ao serviço. Para que haja abandono de trabalho é imprescindível que se possa aferir a ausência na sua consciência da vontade de manter o vínculo que o une ao empregador, isto é a intenção de não voltar ao trabalho. A LGT (art.º 254.º n.º 2), estabelece alguns casos de presunções juris tantum[1] de forte probabilidade de não regressar ao trabalho sempre que se verificarem os seguintes factos:
i.               Imediatamente antes ou depois de iniciar a ausência tenha declarado publicamente ou aos seus companheiros de trabalho a intenção de não continuar ao serviço do empregado – al. a)n.º 2 art.º254.º LGT  - Quando o trabalhador manifesta expressa ou tacitamente publicamente ou a pelo menos um dos seus companheiros a vontade de no futuro desvincular-se do empregador a lei, caso se registe a sua ausência a lei entende tratar-se de uma concretização da sua intenção, podendo o trabalhador afastar mediante prova em contrário a valoração que a lei atribui a este facto.
ii.             Celebre novo contrato de trabalho com outro empregador, presumindo-se essa celebração quando passe a trabalhar a em centro de trabalho de não pertencente ao empregador – al. b) do mesmo – esta presunção, muito mais razoável que a primeira, tem na sua base o surgimento a celebração expressa ou presumida/tácita de um contrato de trabalho que seja incompatível com o contrato anterior, isto é, cujo período de trabalho converge com o que detinha na entidade empregadora de que se ausenta. O trabalhador, neste caso, incorre a uma especial responsabilidade disciplinar e civil. Se o novo empregador tiver conhecimento ou tiver a obrigação de ter conhecimento da relação a que o trabalhador está vinculado, responderá em regime de solidariedade com o trabalhador em relação a responsabilidade civil[2].
iii.            A ausência do trabalhador por um período de duas semanas consecutivas, sem informar o empregador do motivo da ausência – al. c) do mesmo – é uma presunção que se funda, entendemos, na necessidade de continuidade de funcionamento dos serviços do empregador, base do desenvolvimento económico, e permite ao empregador substituir o empregado por um outro trabalhador.
            
III.          Requisito de Eficácia do Abandono de trabalho
Para que haja abandono de trabalho é necessário que estejamos diante de uma situação que se caracteriza pela ausência do trabalhador ao local do serviço e pela forte probabilidade de não voltar ao trabalho ao serviço do empregador. Mas, para que o abandono de trabalho produza os seus efeitos jurídicos.
O requisito de eficácia do abandono de trabalho é o facto de que a lei faz depender a produção dos efeitos jurídicos do abandono de trabalho.
O n.º 3 do art.º 254.º da LGT, imputa ao empregador um dever  jurídico de comunicar ao trabalhador, para a sua última morada conhecida, declarando-lhe na situação de abandono de trabalho, se ocorrendo uma das situações fundamentadoras da presunção de ausência de vontade de voltar ao serviço do empregador, o trabalhador não prove documentalmente as razões de sua ausência e a impossibilidade de ser cumprido o dever de informação e justificação da ausência estabelecida no art.º 151.º LGT,nos três dias subsequentes.
Entendemos se tratar de um verdadeiro requisito de eficácia, pois que o abandono de trabalho só despoletará os seus efeitos jurídicos, depois de comunicada ao trabalhador o seu estado de abandono de trabalho. É prática recorrente em Angola, o recurso ao Jornal de maior tiragem, o Jornal de Angola para proceder tal comunicação da declaração[3], a de abandono de trabalho[4].  
Portanto o requisito de eficácia do abandono do trabalho é a comunicação pelo empregador ao trabalhador do seu estado jurídico-laboral de abandono de trabalho.


IV.        Os Efeitos do Abandono do Trabalho
O abandono de trabalho tem um efeito central (que é o fim essencial do abandono de trabalho) e outros efeitos periféricos (são factos necessária ou acidentalmente resultante do abandono de trabalho). 
O efeito central do abandono de trabalho é a cessação unilateral e imediata (sem aviso prévio) da relação jurídico-laboral (art.º 254.º n.º 4 LGT) – o abandono de trabalho põe termo, sem aviso prévio nem qualquer justificação diferente da vontade de se desvincular, à relação jurídica existente entre o trabalhador e o empregador, fundada num contrato de trabalho.
Além deste efeito, temos outros efeitos que resultam do primeiro efeito, nomeadamente:
a)            Responsabilidade Civil do Trabalhador – a responsabilidade civil do trabalhador será regulada nos termos gerais do código civil (art.º 483.º e seguinte), dentro dos princípios do direito do trabalho, em especial, do princípio favor laboratoris.
Esta responsabilidade nos termos em que a apresentamos é aplicada as relações laborais por força do art.º 61.º LGT.
O art.º 254.º no seu n.º 4 regual uma dimensão desta forma de responsabilidade, em especial a devida pela violação do direito do empregador ao aviso prévio e determina o seu montante, nos termos do art.º 253.º n.º 3 LGT, cujo conteúdo se refere ao pagamento pela falta do aviso prévio, sendo que o montante de indemnização será o correspondente ao salário do período de aviso prévio em falta, que poderá variar de 15 (contrato com antiguidade inferior ou igual a três anos) a 30 (contrato com antiguidade superior a três anos) dias. Fica claro que a indemnização aqui regulada é apenas a referente à violação do aviso prévio, sendo que os outros danos resultantes da cessão unilateral e imediata sendo as demais remetidas para a legislação subsidiária.  
b)            Responsabilidade Administrativa do Trabalhador
O art.º 49.º LGT, define as medidas disciplinares, a serem tomadas em caso de infracção disciplinar.
 O abandono de trabalho pode configurar uma infracção disciplinar e geralmente, pois implicará a violação dos deveres de assiduidade e pontualidade e de aviso ao empregador em caso de impossibilidade de comparência, bem como do dever de justificação da ausência regulado nos artigos 46.º al. c) e 151.º da LGT. Pode também resultar na violação do dever de lealdade (art.º 46.º al. d)), dever de obediência (al. b),  dever de não concorrência, em especial quando o trabalhador celebre novo contrato (al. g)).
O n.º 4 do art.º 254.º LGT, na sua parte final afirma a possibilidade de aplicação de medidas disciplinares em caso de abandono de trabalho, referindo-se única e exclusivamente a aplicação do art.º 49.º e a não a aplicação da Secção II do Capítulo III da LGT – relativa ao poder disciplinar.      
Daqui entendemos que em caso de abandono de trabalho a LGT não impõe que se instaure um procedimento disciplinar nos termos do art.º 50.º e seguintes da LGT, pois este procedimento visa acima de tudo o apuramento da verdade, e no abandono do trabalho já se sabe claramente dos factos que sustentam a infracção não sendo necessário qualquer prova ou defesa ao trabalhador, pois, a LGT, confere ao trabalhador o ónus de provar nos três dias posteriores aos factos constitutivos do abandono do trabalho justificar-se (art.º 254.º n.º 3), o que a nosso ver é bastante para fins de oportunidades de defesa do trabalhador.
Não há qualquer necessidade da presença do trabalhador para a aplicação de uma das medidas disciplinares, excepto a da al. d) do n.º 1 do art.º 49.º da LGT.
A LGT, em nosso entender, consagra no art.º 254.º n.º 4 in fine, uma excepção ao regime geral de imperatividade da audiência prévia do trabalhador para a aplicação das medidas disciplinares diferentes da admoestação verbal e registada, segundo procedimentos próprios definida nos artigos 50.º a 59.º da mesma lei.
 Quanto a aplicação da medida da alínea e) do n.º 1 do art.º 49.º da LGT, parece ser desnecessário pois esta medida visa extinguir a relação jurídico-laboral e o abandono do trabalho só por si já extingue o vínculo laboral. Mas pode se justificar a sua aplicação como sanção a uma grave infracção disciplinar com fim  meramente disciplinador ou repressivo ou ainda por razões de moral laboral[5].
Quanto ao momento em que deverá ser-lhe comunicada a medida disciplinar a que ficará sujeito o trabalhador, entendemos dever ser no memento de comunicação do auto de abandono, aplicando-se o mesmo quanto a responsabilidade civil e a outras situações resultantes do abandono de trabalho.     
c)             Uma outra consequência do abandono de trabalho é a aplicabilidade do regime dos efeitos das faltas injustificadas regulados no art.º 160.º da LGT, cujos contornos comprometemo-nos a analisar oportunamente importa dizer que para o caso de abandono de trabalho, de todos os efeitos das faltas importa apenas o desconto na antiguidade do trabalhador (al. b)) e a infracção disciplinar (esta última já tratada superficialmente, no âmbito da responsabilidade disciplinar ou administrativa)   
V.           Natureza jurídica
 Falar da natureza jurídica do abandono de trabalho a sua integração em uma classe de institutos jurídicos, baseando-se nos factores que o caracterizam.
Afirmamos no princípio que o abandono de trabalho é a denúncia unilateral do contrato de trabalho sem justa causa e sem aviso prévio. Estando assim claramente definida a natureza jurídica do abandono do trabalho: é uma forma de cessação do contrato de trabalho, operada unilateralmente pelo trabalhador, sem justa causa nem aviso prévio. Vejamos a seguir o que cada uma das características implica:
a)            Cessação do Contrato de Trabalho – o abandono do trabalho extingue o vínculo laboral existente entre o empregador e o trabalhador, extinguindo todos os direitos e deveres recíprocos que entre si fundados no contrato de trabalho (art.º 254.º n.º 4 LGT);
b)            Unilateralmente pelo Trabalhador – a extinção do contrato de trabalho, é operada por vontade exclusiva do trabalhador, sendo que ao empregador apenas se imputa um dever de aceitar a decisão tomada pelo trabalhador (art.º 254.º n.º 3 LGT).
c)             Sem Justa Causa – o abandono de trabalho não carece de uma fundamentação mais arrojada que não a vontade do trabalhador de se desvincular do seu empregador. Não sendo necessária a verificação de qualquer das causas referidas nos artigos 251.º e 252.º LGT (art.º 254.º n.º 4 LGT);
d)            Sem aviso prévio – o abandono de trabalho pela sua natureza não carece de qualquer comunicação prévia (regulada no art.º 253.º LGT) do trabalhador ao empregador, bastando-se com os factos citados de cuja aplicação depende o regime do abandono de trabalho (art.º 254.º n.º 4 LGT).
Daqui resulta claro que o abandono de trabalho é um mecanismo proteccionista dos trabalhadores na medida em que lhes confere a faculdade de extraordinariamente pôr fim ao contrato de trabalho. Porém o abandono de trabalho é também um mecanismo de protecção da economia nacional e dos interesses dos empregadores na medida em que permite a continuidade de funcionamento dos estabelecimentos e serviços, caso de verificação dos factos constitutivos do abandono de trabalho.
Portanto é um mecanismo da economia socialista na medida em que protege por demasia os trabalhadores e garante a utilidade social dos serviços dos empregadores, mas é também um instrumento de economia liberal, na medida em que permite que o empregador se liberte do contrato de trabalho com um ausente com probabilidades de não voltar, sem quaisquer gastos e a faculdade de se ver indemnizado pelos danos resultantes da ausência.  
       


BIBLIOGRAFIA:

Ø   Direito do Trabalho – Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2ª Edição Almedina, Coimbra 2010;
Ø   Legislação Laboral 1ª Edição Angola – Fátima Freitas Advogados, Plural Editores Grupo Porto Editora Luanda Angola, 2009.



[1] Na medida em que podem ser afastadas pelo trabalhador mediante prova de existência de factos que justificam a não comunicação da ausência como se depreende do art.º 254.º n.º 3 da LGT. 
[2] Não se ouse pensar que se está aqui a defender a eficácia externa das obrigações, pois o que aqui fazemos é apenas, aplicar o regime da responsabilidade pelo risco ao novo empregador nos termos do art.º 500.º do Código Civil. É exigência da LGT, art.º 217.º que com a cessação da relação contratual de trabalho, independentemente das causas e circunstâncias, o empregador passe ao trabalhador um certificado de trabalho, daí um empregador ao empregar um trabalhador que por exemplo alegue ou mostre factos que façam presumir a sua anterior vinculação e não pede quaisquer esclarecimentos do estado da vinculação e das circunstâncias em que se o trabalhador se oferece ao seu serviço, ao empregá-lo com o benefício que tira do trabalhador passa a uma espécie de cúmplice do trabalhador na violação do dever de sigilo profissional e não concorrência previsto no art.º 46.º al. g) da LGT, beneficiando-se dos frutos da actuação ilícita do trabalhador. Ubi comoda ibi incomoda – se o novo empregador se beneficia da actividade do trabalhador deve comparticipar com o trabalhador em todos os danos resultem da actividade criadora do benefício. Porém, o empregador pode beneficiar de direito de regresso em relação ao trabalhador, nomeadamente nas situações em que não tenha conhecimento, nem dever de conhecer da violação a que incorria com o uso dos favores do trabalhador.      
[3] A declaração de abandono de trabalho tem o nome de auto de abandono, é o documento no qual o empregador declara o trabalhador em estado de abandono de trabalho.
[4] Esta prática tem sido fundamentada com o argumento de que em certos casos o trabalhador tem localização incerta. O que é nos termos da citada disposição legal, excesso de zelo,  LGT refere-se à realização da comunicação à ultima morada conhecida do trabalhador, não sendo de exigir mais que isso no caso de o trabalhador mudar de domicílio.  
[5] Pois que, se por determinada espécie de infracção o empregador aplica certa espécie de sanção a uma categoria de trabalhadores não nos parece moralmente lícito, que deixe de aplicá-la, em função da situação de abandono de trabalho. Sem prejuízo claramente da autonomia privada que a lei reconhece ao empregador.    

13 comentários:

  1. Muito obrigado, isso foi muito útil para mim... Continuam postando!

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  2. Obrigado. Esperamos poder continuar a ser úteis

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    1. Com quantos dias é considerado um abandono de trabalho?

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  3. eu gostaria de entrar em contacto com o dono do blog

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  4. Depois do Auto de abandono o trabalhador ainda tem direito ao INSS e a contagem de tempo??
    Obrigado

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  5. E o casa do funcionário ter dívidas com a empresa

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  6. Gostei da informação, ajudou-me bastante. obrigado

    aconselho aos demais... a tornarem conhecido este blog.

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  7. Por favor, agradecia que actualiza-se a informação com a Legislação em Vigor a Lei 7/15 de 15 de Junho. Valeu

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  8. Gostaria de saber com quantos dias de ausencia sem aviso e considerada auto de abandono.

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  9. Após se concretizar a intenção do auto de abandono de trabalho, o trabalhador ainda tem direito a alguma remuneração?

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  10. Para um trabalhador que faz serviço de segurança como se aplica a bandono de trabalho uma vez ter cumprido suas horas de trabalho?

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  11. E se o trabalhador depois de mais de três anos quiser voltar ao local do trabalho pode?

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