O Abandono de Trabalho
I.
Introdução
Nas relações jurídicas que tenham um
duração mais ou menos grande, visando tutelar a liberdade económica,
especialmente a liberdade contratual, o legislador deve e tem consagrado
mecanismos que permitam a cada uma das partes a faculdade de se exonerar da
relação jurídica com ou sem justa causa e a qualquer momento. Sendo a relação
jurídico-laboral uma relação jurídica de prestação duradoura, não foge a regra,
havendo apenas a particularidade de nesta relação, sendo que as normas
jurídicas que o regulam, tendem a proteger os interesses do trabalhador, favor
laboratoris, confere esta faculdade apenas ao trabalhador, e ao empregador
atribui numa situação, isto é, na comissão de serviços (art.º 257.º Lei Geral
do Trabalho adiante LGT ). Ao trabalhador são reconhecidos o direito a
resolução do contrato por justa causa respeitante ao empregador (art.º 251.º
LGT), resolução de contrato por justa causa estranha ao empregador (art.º 252.º
LGT), a denúncia com aviso prévio do contrato, definida pela lei (art.º 253.º
LGT), como rescisão do contrato sem justa causa e a denúncia tácita ou
imediata, regulada e definida por lei como abandono de trabalho (art.º 254.º
LGT). O abandono do trabalho é uma forma de extinção unilateral da relação
jurídico-laboral por vontade do trabalhador. É a manifestação da denúncia tácita
no contrato de trabalho.
II.
Definição
E Elementos Da Definição
O
abandono de trabalho é a denúncia tácita do Contrato de trabalho, consiste na
ausência do trabalhador do serviço, acompanhada de factos que, com toda a
probabilidade, revelem a intenção de não o retomar (Leitão, 2010, p. 511) – Art.º 254.º n.º 1
LGT.
Desta definição podemos denotar os elementos
caracterizadores do abandono de trabalho:
a)
A ausência
do trabalhador ao serviço – um dos principais elementos do abandono do
trabalhado é a ausência do trabalhador ao serviço, isto é, é o não
comparecimento do indivíduo que voluntariamente se obriga a colocar a sua
actividade profissional ao serviço de um empregador, mediante remuneração no
âmbito da organização e sob autoridade e direcção deste, ao centro de trabalho
onde exerce a sua actividade com regularidade e permanência, sem dar directa ou
indirectamente qualquer notícia ao empregador;
b)
Forte
Probabilidade de não regressar ao trabalho – outro elemento importante do
abandono do trabalho é outro elemento do abandono do trabalho é a manifesta ou
presumida intenção do trabalhador de não voltar ao serviço. Para que haja
abandono de trabalho é imprescindível que se possa aferir a ausência na sua
consciência da vontade de manter o vínculo que o une ao empregador, isto é a
intenção de não voltar ao trabalho. A LGT (art.º 254.º n.º 2), estabelece
alguns casos de presunções juris tantum[1] de forte
probabilidade de não regressar ao trabalho sempre que se verificarem os
seguintes factos:
i.
Imediatamente
antes ou depois de iniciar a ausência tenha declarado publicamente ou aos seus
companheiros de trabalho a intenção de não continuar ao serviço do empregado –
al. a)n.º 2 art.º254.º LGT - Quando o
trabalhador manifesta expressa ou tacitamente publicamente ou a pelo menos um
dos seus companheiros a vontade de no futuro desvincular-se do empregador a
lei, caso se registe a sua ausência a lei entende tratar-se de uma
concretização da sua intenção, podendo o trabalhador afastar mediante prova em
contrário a valoração que a lei atribui a este facto.
ii.
Celebre
novo contrato de trabalho com outro empregador, presumindo-se essa celebração
quando passe a trabalhar a em centro de trabalho de não pertencente ao
empregador – al. b) do mesmo – esta presunção, muito mais razoável que a
primeira, tem na sua base o surgimento a celebração expressa ou
presumida/tácita de um contrato de trabalho que seja incompatível com o
contrato anterior, isto é, cujo período de trabalho converge com o que detinha
na entidade empregadora de que se ausenta. O trabalhador, neste caso, incorre a
uma especial responsabilidade disciplinar e civil. Se o novo empregador tiver
conhecimento ou tiver a obrigação de ter conhecimento da relação a que o
trabalhador está vinculado, responderá em regime de solidariedade com o trabalhador
em relação a responsabilidade civil[2].
iii.
A ausência do trabalhador por um período de
duas semanas consecutivas, sem informar o empregador do motivo da ausência –
al. c) do mesmo – é uma presunção que se funda, entendemos, na necessidade
de continuidade de funcionamento dos serviços do empregador, base do
desenvolvimento económico, e permite ao empregador substituir o empregado por
um outro trabalhador.
III.
Requisito
de Eficácia do Abandono de trabalho
Para
que haja abandono de trabalho é necessário que estejamos diante de uma situação
que se caracteriza pela ausência do trabalhador ao local do serviço e pela
forte probabilidade de não voltar ao trabalho ao serviço do empregador. Mas,
para que o abandono de trabalho produza os seus efeitos jurídicos.
O
requisito de eficácia do abandono de trabalho é o facto de que a lei faz
depender a produção dos efeitos jurídicos do abandono de trabalho.
O
n.º 3 do art.º 254.º da LGT, imputa ao empregador um dever jurídico de comunicar ao trabalhador, para a sua
última morada conhecida, declarando-lhe na situação de abandono de trabalho, se
ocorrendo uma das situações fundamentadoras da presunção de ausência de vontade
de voltar ao serviço do empregador, o trabalhador não prove documentalmente as
razões de sua ausência e a impossibilidade de ser cumprido o dever de
informação e justificação da ausência estabelecida no art.º 151.º LGT,nos três
dias subsequentes.
Entendemos
se tratar de um verdadeiro requisito de eficácia, pois que o abandono de
trabalho só despoletará os seus efeitos jurídicos, depois de comunicada ao
trabalhador o seu estado de abandono de trabalho. É prática recorrente em
Angola, o recurso ao Jornal de maior tiragem, o Jornal de Angola para proceder
tal comunicação da declaração[3], a
de abandono de trabalho[4].
Portanto
o requisito de eficácia do abandono do trabalho é a comunicação pelo empregador
ao trabalhador do seu estado jurídico-laboral de abandono de trabalho.
IV.
Os
Efeitos do Abandono do Trabalho
O
abandono de trabalho tem um efeito central (que é o fim essencial do abandono
de trabalho) e outros efeitos periféricos (são factos necessária ou
acidentalmente resultante do abandono de trabalho).
O efeito
central do abandono de trabalho é a cessação
unilateral e imediata (sem aviso prévio) da relação jurídico-laboral (art.º
254.º n.º 4 LGT) – o abandono de trabalho põe termo, sem aviso prévio nem
qualquer justificação diferente da vontade de se desvincular, à relação
jurídica existente entre o trabalhador e o empregador, fundada num contrato de
trabalho.
Além
deste efeito, temos outros efeitos que resultam do primeiro efeito,
nomeadamente:
a)
Responsabilidade
Civil do Trabalhador – a responsabilidade civil do trabalhador será regulada
nos termos gerais do código civil (art.º 483.º e seguinte), dentro dos
princípios do direito do trabalho, em especial, do princípio favor laboratoris.
Esta responsabilidade nos termos em que a
apresentamos é aplicada as relações laborais por força do art.º 61.º LGT.
O art.º
254.º no seu n.º 4 regual uma dimensão desta forma de responsabilidade, em
especial a devida pela violação do direito do empregador ao aviso prévio e
determina o seu montante, nos termos do art.º 253.º n.º 3 LGT, cujo conteúdo se
refere ao pagamento pela falta do aviso prévio, sendo que o montante de
indemnização será o correspondente ao salário do período de aviso prévio em
falta, que poderá variar de 15 (contrato com antiguidade inferior ou igual a
três anos) a 30 (contrato com antiguidade superior a três anos) dias. Fica
claro que a indemnização aqui regulada é apenas a referente à violação do aviso
prévio, sendo que os outros danos resultantes da cessão unilateral e imediata
sendo as demais remetidas para a legislação subsidiária.
b)
Responsabilidade
Administrativa do Trabalhador
O
art.º 49.º LGT, define as medidas disciplinares, a serem tomadas em caso de
infracção disciplinar.
O abandono de trabalho pode configurar uma
infracção disciplinar e geralmente, pois implicará a violação dos deveres de
assiduidade e pontualidade e de aviso ao empregador em caso de impossibilidade
de comparência, bem como do dever de justificação da ausência regulado nos
artigos 46.º al. c) e 151.º da LGT. Pode também resultar na violação do dever
de lealdade (art.º 46.º al. d)), dever de obediência (al. b), dever de não concorrência, em especial quando
o trabalhador celebre novo contrato (al. g)).
O n.º
4 do art.º 254.º LGT, na sua parte final afirma a possibilidade de aplicação de
medidas disciplinares em caso de abandono de trabalho, referindo-se única e
exclusivamente a aplicação do art.º 49.º e a não a aplicação da Secção II do
Capítulo III da LGT – relativa ao poder disciplinar.
Daqui
entendemos que em caso de abandono de trabalho a LGT não impõe que se instaure
um procedimento disciplinar nos termos do art.º 50.º e seguintes da LGT, pois
este procedimento visa acima de tudo o apuramento da verdade, e no abandono do
trabalho já se sabe claramente dos factos que sustentam a infracção não sendo
necessário qualquer prova ou defesa ao trabalhador, pois, a LGT, confere ao
trabalhador o ónus de provar nos três dias posteriores aos factos constitutivos
do abandono do trabalho justificar-se (art.º 254.º n.º 3), o que a nosso ver é
bastante para fins de oportunidades de defesa do trabalhador.
Não há
qualquer necessidade da presença do trabalhador para a aplicação de uma das
medidas disciplinares, excepto a da al. d) do n.º 1 do art.º 49.º da LGT.
A LGT,
em nosso entender, consagra no art.º 254.º n.º 4 in fine, uma excepção ao regime geral de imperatividade da
audiência prévia do trabalhador para a aplicação das medidas disciplinares
diferentes da admoestação verbal e registada, segundo procedimentos próprios
definida nos artigos 50.º a 59.º da mesma lei.
Quanto a aplicação da medida da alínea e) do
n.º 1 do art.º 49.º da LGT, parece ser desnecessário pois esta medida visa
extinguir a relação jurídico-laboral e o abandono do trabalho só por si já
extingue o vínculo laboral. Mas pode se justificar a sua aplicação como sanção
a uma grave infracção disciplinar com fim
meramente disciplinador ou repressivo ou ainda por razões de moral
laboral[5].
Quanto
ao momento em que deverá ser-lhe comunicada a medida disciplinar a que ficará
sujeito o trabalhador, entendemos dever ser no memento de comunicação do auto
de abandono, aplicando-se o mesmo quanto a responsabilidade civil e a outras
situações resultantes do abandono de trabalho.
c)
Uma outra consequência do abandono de
trabalho é a aplicabilidade do regime dos efeitos das faltas injustificadas
regulados no art.º 160.º da LGT, cujos contornos comprometemo-nos a analisar
oportunamente – importa dizer que para o caso de abandono de trabalho,
de todos os efeitos das faltas importa apenas o desconto na antiguidade do
trabalhador (al. b)) e a infracção disciplinar (esta última já tratada
superficialmente, no âmbito da responsabilidade disciplinar ou administrativa)
V.
Natureza
jurídica
Falar
da natureza jurídica do abandono de trabalho a sua integração em uma classe de
institutos jurídicos, baseando-se nos factores que o caracterizam.
Afirmamos
no princípio que o abandono de trabalho é a denúncia unilateral do contrato de
trabalho sem justa causa e sem aviso prévio. Estando assim claramente definida
a natureza jurídica do abandono do trabalho: é uma forma de cessação do
contrato de trabalho, operada unilateralmente pelo trabalhador, sem justa causa
nem aviso prévio. Vejamos a seguir o que cada uma das características implica:
a)
Cessação
do Contrato de Trabalho – o abandono do trabalho extingue o vínculo laboral
existente entre o empregador e o trabalhador, extinguindo todos os direitos e
deveres recíprocos que entre si fundados no contrato de trabalho (art.º 254.º
n.º 4 LGT);
b)
Unilateralmente
pelo Trabalhador – a extinção do contrato de trabalho, é operada por
vontade exclusiva do trabalhador, sendo que ao empregador apenas se imputa um
dever de aceitar a decisão tomada pelo trabalhador (art.º 254.º n.º 3 LGT).
c)
Sem
Justa Causa – o abandono de trabalho não carece de uma fundamentação mais
arrojada que não a vontade do trabalhador de se desvincular do seu empregador.
Não sendo necessária a verificação de qualquer das causas referidas nos artigos
251.º e 252.º LGT (art.º 254.º n.º 4 LGT);
d)
Sem
aviso prévio – o abandono de trabalho pela sua natureza não carece de
qualquer comunicação prévia (regulada no art.º 253.º LGT) do trabalhador ao
empregador, bastando-se com os factos citados de cuja aplicação depende o
regime do abandono de trabalho (art.º 254.º n.º 4 LGT).
Daqui resulta
claro que o abandono de trabalho é um mecanismo proteccionista dos
trabalhadores na medida em que lhes confere a faculdade de extraordinariamente
pôr fim ao contrato de trabalho. Porém o abandono de trabalho é também um
mecanismo de protecção da economia nacional e dos interesses dos empregadores
na medida em que permite a continuidade de funcionamento dos estabelecimentos e
serviços, caso de verificação dos factos constitutivos do abandono de trabalho.
Portanto
é um mecanismo da economia socialista na medida em que protege por demasia os
trabalhadores e garante a utilidade social dos serviços dos empregadores, mas é
também um instrumento de economia liberal, na medida em que permite que o
empregador se liberte do contrato de trabalho com um ausente com probabilidades
de não voltar, sem quaisquer gastos e a faculdade de se ver indemnizado pelos
danos resultantes da ausência.
BIBLIOGRAFIA:
Ø
Direito do Trabalho – Luís Manuel Teles de
Menezes Leitão, 2ª Edição Almedina, Coimbra 2010;
Ø
Legislação Laboral 1ª Edição Angola – Fátima
Freitas Advogados, Plural Editores Grupo Porto Editora Luanda Angola, 2009.
[1] Na medida em que podem ser
afastadas pelo trabalhador mediante prova de existência de factos que
justificam a não comunicação da ausência como se depreende do art.º 254.º n.º 3
da LGT.
[2] Não se ouse pensar que se
está aqui a defender a eficácia externa das obrigações, pois o que aqui fazemos
é apenas, aplicar o regime da responsabilidade pelo risco ao novo empregador
nos termos do art.º 500.º do Código Civil. É exigência da LGT, art.º 217.º que
com a cessação da relação contratual de trabalho, independentemente das causas
e circunstâncias, o empregador passe ao trabalhador um certificado de trabalho,
daí um empregador ao empregar um trabalhador que por exemplo alegue ou mostre
factos que façam presumir a sua anterior vinculação e não pede quaisquer esclarecimentos
do estado da vinculação e das circunstâncias em que se o trabalhador se oferece
ao seu serviço, ao empregá-lo com o benefício que tira do trabalhador passa a
uma espécie de cúmplice do trabalhador na violação do dever de sigilo
profissional e não concorrência previsto no art.º 46.º al. g) da LGT,
beneficiando-se dos frutos da actuação ilícita do trabalhador. Ubi comoda ibi incomoda – se o novo
empregador se beneficia da actividade do trabalhador deve comparticipar com o
trabalhador em todos os danos resultem da actividade criadora do benefício.
Porém, o empregador pode beneficiar de direito de regresso em relação ao
trabalhador, nomeadamente nas situações em que não tenha conhecimento, nem
dever de conhecer da violação a que incorria com o uso dos favores do
trabalhador.
[3] A declaração de abandono
de trabalho tem o nome de auto de abandono, é o documento no qual o empregador
declara o trabalhador em estado de abandono de trabalho.
[4] Esta prática tem sido
fundamentada com o argumento de que em certos casos o trabalhador tem
localização incerta. O que é nos termos da citada disposição legal, excesso de
zelo, LGT refere-se à realização da
comunicação à ultima morada conhecida do trabalhador, não sendo de exigir mais
que isso no caso de o trabalhador mudar de domicílio.
[5] Pois que, se por
determinada espécie de infracção o empregador aplica certa espécie de sanção a
uma categoria de trabalhadores não nos parece moralmente lícito, que deixe de
aplicá-la, em função da situação de abandono de trabalho. Sem prejuízo
claramente da autonomia privada que a lei reconhece ao empregador.
Muito obrigado, isso foi muito útil para mim... Continuam postando!
ResponderEliminarObrigado. Esperamos poder continuar a ser úteis
ResponderEliminarCom quantos dias é considerado um abandono de trabalho?
Eliminareu gostaria de entrar em contacto com o dono do blog
ResponderEliminarAngel me salvaste duma! Thanks
ResponderEliminarDepois do Auto de abandono o trabalhador ainda tem direito ao INSS e a contagem de tempo??
ResponderEliminarObrigado
E o casa do funcionário ter dívidas com a empresa
ResponderEliminarGostei da informação, ajudou-me bastante. obrigado
ResponderEliminaraconselho aos demais... a tornarem conhecido este blog.
Por favor, agradecia que actualiza-se a informação com a Legislação em Vigor a Lei 7/15 de 15 de Junho. Valeu
ResponderEliminarGostaria de saber com quantos dias de ausencia sem aviso e considerada auto de abandono.
ResponderEliminarApós se concretizar a intenção do auto de abandono de trabalho, o trabalhador ainda tem direito a alguma remuneração?
ResponderEliminarPara um trabalhador que faz serviço de segurança como se aplica a bandono de trabalho uma vez ter cumprido suas horas de trabalho?
ResponderEliminarE se o trabalhador depois de mais de três anos quiser voltar ao local do trabalho pode?
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