Universidade agostinho neto
faculdade de direito
trabalho de PREPARAÇÃO
PARA o simulado de pretória
Armindo
Moisés Kasesa Chimuco
francisco
sebastião marcos ngola
OS SISTEMAS DE VIGÊNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL NA ORDEM INTERNA
Maio, 2011
I -Introdução
O
caso hipotético, objecto de estudo para o Tribunal Simulado de Pretória, levanta,
dentre várias questões, uma, que do
nosso ponto de vista, parece de capital importância: a da vigência do direito
internacional na ordem jurídica interna.
É
opinião comum na doutrina que a escolha do sistema de vigência do Direito
Internacional na ordem interna depende da teoria que for adoptada para a
solução do problema da relação entre o direito internacional e o direito interno.
Portanto, para sua compreensão, entendemos necessário fazer recurso, ainda que
de forma sucinta, às diversas teorias elaboradas pela doutrina
internacionalista e constitucionalista que propuseram soluções para este
problema, nomeadamente, as doutrinas dualista ou pluralista e monista.
O
Estado de Dosmoon apesar de ter ratificado um número considerável de tratados
internacionais apenas domesticou parcialmente, a Carta Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos (art. 2º a 27º). O que, desde logo, levanta a questão de
saber se Dosmoon terá violado algum dos preceitos dos instrumentos internacionais
relevantes para os Direitos Humanos por ele ratificados. Ora, o artigo 114.º da
Constituição de Dosmoon, dispõe que os tratados internacionais devem ser
domesticados e convertidos em lei nacional antes de produzirem efeitos na sua ordem
jurídica interna. Essa questão, tal como o dissemos, remete-nos à discussão do
sistema adoptado por este Estado para a vigência do direito internacional na
sua ordem interna, ou seja, remete-nos para o problema das técnicas ou cláusulas de incorporação, cuja,
denominação varia, normalmente, conforme as exigências técnico - constitucionais
para a relevância do Direito Internacional na ordem jurídica interna.
Através
de um olhar atento a doutrina salta-nos à vista a existência de, pelo menos, três destes sistemas, nomeadamente: Sistema da
transformação do Direito Internacional em Direito Interno; Sistema da cláusula
geral de recepção automática plena; e o Sistema da cláusula geral da recepção
semi-plena ou sistema misto.
II - Sistema da transformação do
Direito Internacional em Direito Interno
Pelo qual o Direito Internacional só vigora na Ordem interna se, e na medida em que, cada norma internacional for transformada em Direito Interno através de um diploma legal emanado de acordo com as normas de direito constitucional do respectivo Estado.
Essa transformação pode ser explícita (se a norma internacional é
objecto de um acto normativo interno) ou
implícita (se no processo de aprovação internacional da norma, se inserem
actos de órgãos do Estado, passíveis de conferir eficácia interna à dita norma)
Este sistema é característico dos Estados que adoptam
a solução dualista nas relações entre o Direito Internacional e o Direito
Interno.
Segundo a Tese ou Concepção Dualista (Triepel -
doutrina da Vereinbarung - e
Anzilotti), o Direito Internacional só vale na esfera estadual depois de
recebido ou transformado em Direito Interno, não havendo possibilidade de
conflitos entre sistemas, dado que o Direito Internacional e o Direito Interno
não regem o mesmo tipo de relações, ou seja, a norma interna vale independentemente da regra
do direito internacional, mas a norma internacional só é válida quando
transformada em lei interna.
III - Sistema
da cláusula geral de recepção automática plena ou sistema de incorporação global das normas internacionais
Segundo
este sistema, o Estado reconhece a plena vigência de todo o Direito
Internacional na Ordem Interna, isto é, o Estado prevê a vigência da norma do
direito internacional independentemente do seu objecto.
A
Recepção pode ser plena (quando há
formalidades a respeitar para a recepção do Direito Internacional na Ordem
interna, designadamente, uma norma que exige a sua publicação), como pode ser
uma recepção automática (quando as
normas internacionais são directamente aplicáveis na Ordem jurídica interna sem
necessidade de quaisquer formalismos, portanto, impõem-se sem que os órgãos
estaduais tenham sequer que proceder à sua publicação)
Poderá
haver cláusulas gerais de recepção plena só de tratados ou só de costumes.
Constitui
um corolário da concepção monista com primado do Direito Internacional das
relações entre o Direito Internacional e o Direito interno, proposto por Hans
Kelsen e também por Savigny.
Recorda-se
que a teoria monista conhece duas nuances: Um monismo com primado do direito
internacional e outro com primado do direito interno, este último, tendo as suas raízes especialmente na
concepção Hegeliana (com seguidores como Zorn,
Erich Kaufmann, Max wenzel, Jellineck e Decendière), sustenta a não
existência de duas ordens jurídicas diferentes mas apenas de uma, que é
justamente a ordem jurídica estadual. De forma que o chamado Direito
Internacional Público não passaria de um “direito estadual externo”,
quer dizer, uma obrigação surgida na livre vinculação do Estado (tese
moderada), ou reduzir-se-ia até a uma declaração de intenções sobre o
comportamento futuro, não resultando qualquer tipo de responsabilidade para o
Estado que, fosse qual fosse o motivo, acabasse por fazer letra morta do
prometido (tese radical). A ideia geral é, pois, a de que “o Direito
Internacional obriga, porque provém da própria vontade do Estado, vincula
porque é, todo ele, Direito Interno”
O monismo com primado na ordem jurídica
internacional, que mais nos interessa, aqui e agora, sustenta que a ordem
jurídica é homogénea e não são as normas internas que se situam num plano
superior, mas são antes as normas internacionais, que, estendendo a sua
eficácia directamente ao interior dos Estados, não podem ser contrariadas pelas
primeiras, sob pena de nulidade das mesmas. Desenvolvendo este ponto de vista,
os Monistas de Direito Internacional chegam a conclusões como esta: o poder dos
órgãos estaduais é-lhes delegado pela comunidade internacional, sendo o Estado
um ente não soberano, dado a soberania residir, em última análise, naquela
comunidade, que seria a “detentora da competência das comunidades”. O
monismo com primado do Direito Internacional pode porém ser radical (KELSEN)-
em todo e qualquer caso a regra interna que contrária a internacional é nula;
ou moderado (Verdross) – o legislador nacional tem um campo amplo de liberdade
de acção, chegando na prática a conclusões bem próximas das do dualismo.
IV - Sistema
da cláusula geral da recepção semi-plena ou sistema misto
Segundo
o qual, o Estado não reconhece a vigência automática de todo o Direito
Internacional, mas somente sobre certas matérias. A cláusula geral de recepção
semi-plena, provocará a vigência interna de um grupo de normas internacionais
identificadas pelo objecto comum. Dito de outro modo, Encontramos uma cláusula de recepção semi-plena, quando a Constituição, consagrando
um sistema misto, permite que as normas com dado conteúdo vigorem no espaço
jurídico interno sem outra formalidade que não seja a publicação, exigindo para
a vigência das restantes normas: a transformação.
Portanto, este sistema resulta da adopção cumulativa
de concepções monistas e dualistas, e valem aqui, as posições acima esgrimidas.
V -
Considerações finais
A observação
da prática demonstra que todos os Estados de formas diversas asseguram a
vigência do direito internacional, sendo que em casos omissos a jurisprudência
tem presumido a adopção da recepção automática plena o que só se pode explicar
pela adopção do ponto de vista monista.
Não obstante
a tese monista com primado de direito internacional , resultado da negação do
voluntarismo e traduzido na ideia de a ordem interna ceder em caso de conflito
com o direito internacional, ser, na visão dos autores internacionalistas, a
preponderante hoje, sendo a corrente
mais consentânea com o actual estado das relações internacionais na comunidade
internacional, a dogmática internacional entende ainda que a escolha do sistema
de vigência é, normalmente, operada pelo Estado através da constituição, em
respeito ao princípio da soberania dos Estados, embora isto não o exime de
respeitar os princípios basilares da comunidade internacional, sendo que estes
se impõem automaticamente a qualquer Estado.
Do nosso
ponto de vista, a constituição do Estado de Dosmoon adoptou, em princípio, o
Sistema da transformação do Direito
Internacional em Direito Interno. Da leitura do artigo 114.º da
Constituição do Estado de Dosmoon resulta que o Direito Internacional só vigora
na Ordem interna se e na medida em que cada norma internacional for
transformada em Direito Interno através de um diploma legal emanado de acordo
com as normas de direito constitucional do Estado (domesticação). A transformação
adoptada é explícita, porquanto, a
norma internacional é objecto de um acto normativo interno. Sendo, portanto, um
Estado de feição dualista no que toca as relações entre o Direito Internacional
e o Direito Interno.
Embora seja esse o sistema consagrado na Constituição
de Dosmoon, pensamos que, por um lado, os princípios de direito Internacional
comuns as nações civilizadas, os Costumes Internacionais e a Jurisprudência
relevantes para a tutela dos direitos humanos são aplicadas automaticamente na
ordem jurídica interna de Dosmoon, por outro, para os tratados sobre matéria de
direitos humanos vigorarem na ordem
jurídica interna de Dosmoon não precisam do recurso ao mecanismo de
transformação do mesmo em lei interna pois aqui se está num campo tão
fundamental para a comunidade Internacional, em que se reconhece pela doutrina
e pelas outras fontes de Direito Internacional a vigência automática dos
Tratados, pois estes contêm as chamadas normas
jus cogens ou normas imperativas.
Portanto, quanto ao Direito Internacional Geral, não é necessário qualquer acto
de recepção ou de transformação para que o juiz interno o aplique.
Por exemplo,
a translação dos Dosmi da sua zona para o outro lugar configura, ao nosso ver,
uma violação aos arts. 7º e seguintes da Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas, por se ter violado os seus direitos fundamentais,
por isso, esse artigo é aplicado independentemente da sua transformação na ordem
interna de Dosmoon.
O Direito
Internacional dos Direitos Humanos, segundo Ana
Maria Guerra Martins, só pode ser,
verdadeiramente, eficaz se libertar-se da competência nacional exclusiva e
assumir-se que a protecção do ser humano só pode ser assegurada fora do quadro
das relações entre Estados. E é o que vai (está) a acontecer. Demonstrando
assim a irrelevância do princípio da exclusividade nacional no campo da
protecção dos direitos humanos
Esta posição, acaba por inquinar o sistema de
transformação do Direito Internacional em Direito Interno, pelo que no Estado
de Dosmoon vigora um sistema com pendor misto ou semi – pleno, a exemplo do que
acontece com muitos Estados, sendo um sistema de equilíbrio entre as duas
ordens.
Assim a
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, a convenção Internacional
Sobre os Direitos Civis e Políticos, a convenção Sobre os Direitos Económicos
sociais e Culturais, a Convenção sobre os Direitos da Criança, A convenção sobre
a eliminação de todas as formas de discriminação Contra A Mulher , a Convenção
Quadro das Nações Unidas de 1992 Sobre as Mudanças Climáticas, A Carta Africana
sobre os Direitos do Homem e dos Povos, A Carta Africana sobre os Direitos e
bem-estar das Crianças, o Protocolo da Carta Africana Relativo Aos Direitos da
Mulher em África, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho,
A Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas
(nativos), vigoram em Dosmoon
Independentemente da sua domesticação, pois, tal como o dissemos, estes
diplomas contêm normas de carácter imperativo para os Estados.
Referências
Bibliográficas
Canotilho,
José Joaquim Gomes, Direito Constitucional 7ª Edição 2003.
Cunha, Joaquim
da Silva e Maria da Assunção Do Vale Pereira, Manual de Direito Internacional
Público, 2ª Edição Almedina Coimbra 2004;
Martins, Ana Maria, Direito Internacional Dos Direitos
Humanos, Almedina, Coimbra 2006;
Moncada,
António Cabral de, Curso de Direito Internacional Público, I Volume, Livraria
Almedina, Coimbra 1998;
Pereira,
André Gonçalves e Fausto de Quadros,
Manual de Direito Internacional Público, 3º edição, 7ªReimpressão,
Almedina 2007;
Soares,
Albino De Azevedo, Lições de Direito Internacional Público, 4ª edição,
reimpressão, Coimbra Editora 1996;
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