Direito Processual Penal


Resumo de direito processual penal
Armindo Moisés Kasesa Chimuco[1]
Baseado no Livro: Direito Processual Penal – Noções Fundamentais do Prof. Vasco A. Grandão Ramos. E nos apontamentos feitos das Aulas por ele ministradas no ano Lectivo 2011
Introdução
Este Trabalho surge como uma forma de gratificação ao Professor Grandão Ramos.
Apesar de reconhecermos a sinteticidade e a objectividade das lições de Direito Processual Penal que nos têm servido de base de estudo, entendemos ser útil sintetizar ainda mais e oferecer aos estudantes do 4.º ano de Direito em Angola um meio acessível de aceder à cidadela jurídica do processo  penal.
Este trabalho poderá conter eventuais erros e como não podia deixar de ser será periódicamente complementado e corrigido.
Contudo, esperamos reação dos seres pensantes que a este texto acederem.  
















Capítulo I
Noções Gerais
1.           Noção de Direito Processual Penal. Direito Processual Penal e Direito Penal
1.1.    Noção de Direito Processual Penal
O Direito Processual Penal é o sistema de normas ou regras jurídicas que regulam a aplicação do direito penal aos comportamentos delituosos, submetidos a apreciação do dos tribunais. É o conjunto de normas que regulam o processo penal.
O processo penal é o conjunto de actos e actividades que têm por fim aplicar, pela individualização da medida penal, o direito penal substantivo, tendo em vista o restabelecimento da ordem pública ofendida por comportamentos humanos, legalmente definidos como crimes.
É no processo penal que se procede à investigação necessária para a verificação da existência ou não do crime, se certos factos apurados constituem ou não crime, quem os praticou, em que circunstâncias, porque e qual é o grau de responsabilidade dos seus agentes.
O processo penal é um processo dinâmico, pela sua forma (encadeamento de actos) e pela sua intenção ou finalidade: uma decisão judicial, aparecendo como síntese das posições contrárias: acusação e defesa), traduza a convicção livre do Juiz formada através de uma actividade que se desenvolve de uma forma dialéctica.
Como diz o Prof. Castanheira Neves, o processo penal é a forma juridicamente válida da jurisdição criminal. Jurisdição é o poder de julgar e constitui a dimensão material do processo penal e o processo é o momento ou a dimensão formal da jurisdição.
O processo penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam e disciplinam o a jurisdição e o processo penais, determinando o modo preciso de actuação, em cada caso e em cada momento concreto, dos sujeitos processuais e dos restantes participantes no processo.
1.2.    Direito Processual Penal e Direito Penal
O direito processual penal é o instrumento de realização do direito penal, que não é um ramo de aplicação directa.
Sem o direito processual penal, o direito penal não poderia realizar-se e aplicar-se aos factos concretos da vida de relação em função da qual ou para a disciplina da qual existe.
No direito penal, a pena só pode ser aplicada mediante a instauração de um processo e por decisão jurisdicional, isto é, por decisão do tribunal. A justiça penal é monopólio do Estado (princípio do monopólio estadual da função jurisdicional), que a exercerá exclusivamente mediante o processo penal regulado pelo direito processual penal (nulla poena sine judicio nulla poena sine processu). O monopólio estadual e da jurisdição penal e a necessidade absoluta de o fazer mediante um processo regulado são as duas dimensões do princípio da jurisdição.
Direito penal e direito processual penal são ramos de direito complementares, constituídos ambos em unidade jurídica, dominada pelo mesmo fim: a protecção e a defesa dos valores fundamentais da ordem jurídico-política, económica e social do Estado. O direito processual surge assim como a dimensão formal ou forma de um direito penal global, é um direito formal, adjectivo, instrumental ou subordinado, enquanto o direito penal é material e substantivo. O processo penal é necessário e pressuposto necessário à realização do direito penal, conservando porém a sua autonomia, pois tem objecto, características e princípios específicos distintos do direito penal.
Há normas de direito processual penal cuja natureza se discute: possuem natureza mista: simultaneamente substantiva e adjectiva e normas que estão na fronteira entre estes dois ramos de direito.
Dai que o direito penal e direito processual penal se influenciem reciprocamente.
2.           Traços gerais da evolução histórica da justiça penal: o período da Vingança e da Justiça Privadas: o Período da Justiça Pública
2.1.    O Período da Vingança e da Justiça privadas
Nas sociedades primitivas não havia direito material em sentido técnico-jurídico rigoroso, por conseguinte não havia regras de processo, tribunais nem justiça institucionalizada como a actual. Naquela altura, a justiça, sempre que o ofendido se julgava em condições de a aplicar, fazia-se por reacção instintiva, retaliação, ódio ou vingança, sempre a título privado em sistema de auto-tutela, era uma questão individual.
Numa fase posterior, mas ainda primitiva, surgiu a justiça familiar, mais tarde a do clã: os membros da família encontravam-se tão intrinsecamente ligados por laços de solidariedade, governada por regras de trato social orais aceites tradicionalmente pelo grupo, no qual se sentiam todos iguais, com uma origem comum responsáveis pela convivência social e pela conduta de todos, destacando-se entre eles o patriarca ou chefe do clã que estabelecia o poder na base de uma autoridade ético assente no prestígio ganho a custa do seu valor pessoal, da sua destreza na guerra ou na sua identificação perfeita com a comunidade.
Sendo a sociedade, do tipo comunista primitivo, a justiça era uma tarefa simples, e as principais ofensas consistiam em ofensa aos interesses colectivos: aos bens comuns, a morte de um parente, etc. E as punições podiam ser a expulsão com ou sem desonra do grupo, deixando o indivíduo socialmente desprotegido e eventualmente com pena de morte. Usava-se naquela altura um processo presidido pelo chefe do clã, público, sumário e oral, solicitado contra o infractor à regras costumeiras da comunidade, o qual passou a ser usado depois para faltas menos graves.
A vingança privada, porém, em prejuízo da justiça aplicada pelo chefe do clã, em função do crescimento económico e da sociedade em geral e da passagem a novas formas de organização social (esclavagismo) que favoreceram o enfraquecimento do poder das pequenas comunidades e consequentemente dos seus chefes, combinado com a falta de organização das novas potências sociais, afirmou-se como a forma habitual de reacção às ofensas sofridas. A vingança era um direito para a vítima e a sua família e era um dever imperativo para com os seus. A vingança era considerada justa, natural aceite pela ética. A vingança pela morte de um familiar a qual se operava pela morte de um membro da família do ofensor ou do próprio ofensor, era chamada a vingança de sangue.
Por solidariedade activa ou passiva a vingança tornou-se numa questão entre clãs e se não satisfeita tempestivamente degenerava-se em guerras abertas (em que tudo valia mesmo os meios mais reprováveis).
A vingança privada constituía uma garantia sumária de manutenção da ordem social, nas relações entre clãs, pois que o temor a vingança prevenia o cometimento de crimes ou em alguns casos os clãs expulsavam o seu membro ofensor ou ainda o entregavam ao clã ofendido para que se cumpra a vingança (tida como justiça).
O aparecimento e a afirmação do Estado como organização política associado ao desgaste provocado pelas lutas e as necessidades criadas pelo desenvolvimento económico e social que fez recuarem a vingança privada, dando origem a novas fórmulas de resolução de conflitos: indemnizações e resgate de castigo através de mercadorias e bens entre famílias e clãs ofendidos e ofensores.
O fortalecimento do Estado, em detrimento do poder e coesão das famílias e dos clãs os quais em números indeterminados passaram a integrar o Estado, permitiu ao Estado o controle relativo da repressão e a consequente passagem da fase da vingança privada para a fase da justiça privada ou da repressão organizada.
Nesta nova fase, a vingança manteve-se, mas passou a ser controlada pelo poder: só era permitida em determinadas condições e determinados lugares (tendo sido definidos lugares de asilo), reconhecida a certas pessoas, diferindo o seu regime em função da natureza voluntaria ou involuntária da ofensa; criaram-se mecanismos para limitar legalmente a vingança.
Esta fase era ainda marcada pelas seguintes instituições:
                         i.            A composição pecuniária –
Passava pela entrega de dinheiro ou de bens de produção pelo ofensor ao ofendido. Era o preço acordado e pago ao vingador para renunciar a vingança. No princípio era voluntária, mas com o tempo passou a ser tarifada e antecipadamente estabelecida, sobretudo na fase da justiça pública, substituiu a werhgeld (vingança de sangue), por isso é tida como uma das mais importantes instituições deste período. Atingia em certos casos, somas que o ofensor não podia pagar, facto que incitava a manifestação da solidariedade familiar que reunia a quantia necessária.
                       ii.            O Abandono Noxal 
O agressor era expulso da comunidade por decisão colectiva tomada pela família ou pelo seu chefe com o consentimento da família, ou entregue ao grupo social a que pertencesse o ofendido, podendo este grupo submetê-lo a escravatura ou até mesmo matá-lo, livrando assim a sua família da vingança.
                     iii.            O Talião –
Tida como uma das instituições mais importantes do período da vingança privada, ao lado da composição pecuniária, pois surge para limitar a vingança à medida da ofensa, individualizando assim a pena, facto que levou o poder a protegê-la, ainda que impondo-lhe frequentes e diversos limites.
É uma instituição já citada na Bíblia e no Corão, era generalizada e a podemos encontrar em muitos sistemas de justiça antigos. O seu conteúdo é traduzido na expressão «olho por olho e dente por dente».
                     iv.            Os Co-jurados ou cojuradores –
Por esta instituição se permitia ao acusado que provasse a sua inocência por intermédio dos amigos e familiares que juravam com ele a sua inocência e o valor da sua palavra, sendo, entretanto variável o número de jurados: no direito franco a regra era de 24, havendo casos excepcionais como o da rainha Fredegunda acusada de adultério em que co-juraram 300 cavaleiros[2].
                       v.            O Combate Judiciário –
Consistia na limitação da vingança de sangue e da guerra entre as famílias ofendida e a ofensora a um combate entre duas pessoas, representantes de cada uma delas.
Deste diferem os ordálios bilaterais ou duelo judiciário.
O ordálio foi um meio usado (e em alguns casos ainda é usado: em meios tradicionais), por em todo o mundo que consistia na submissão do suspeito ou acusado a uma prova conhecida como juízo de Deus quase sempre de resultados aleatórios que revelaria a culpa ou a inocência daquele que a ele fosse submetido. Os ordálios variam de época em época e de região em região. Consistiam as vezes na ingestão de bebidas venenosas ou numa prova de fogo, ou ainda pela submersão do suspeito com as mãos e pés atados, e a sua inocência era determinada pela sua sobrevivência da submersão, ou a ingestão do veneno ou da sua cura das queimaduras.     
2.2.         O Período Da Justiça Pública
A justiça só se tornará pública no momento em que o Estado tomar nas suas mãos a direcção da repressão e a organizar de tal modo que ela tenha por fim a reparação do dano social e quando a parte particular for relegada a um plano tão acessório que o processo penal possa correr sem que a sua intervenção seja indispensável.[3]
O sistema da justiça pública é caracterizado pelos seguintes princípios:
i.               Princípio Da Função Social Da Pena
A repressão criminal é uma função da sociedade e ao pena meio daquela repressão, tem por objectivo a reparação do dano social causado a sociedade pelo crime que é por natureza e por definição um comportamento que ofende e/ou põe em perigo interesses sociais;
ii.             Princípio do Monopólio do Estado
A justiça através da qual se aplica a pena é exercida obrigatoriamente pelo Estado; ninguém pode fazer justiça por suas próprias mãos. Este princípio tem o seguinte conteúdo:
·               A função de julgar tem de ser necessariamente exercida mediante um processo regulado por normas jurídicas, isto é, só através do processo é legítimo ao Estado fazer justiça: Princípio Nulla poena sine processu.

3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: O PROCESSO ACUSATÓRIO E O PROCESSO INQUISITÓRIO. EVOLUÇÃO DOS DOIS TIPOS DE PROCESSO. PROCESSO MISTO.O PROCESSO EM ANGOLA: AS FASES DO PROCESSO (DESCRIÇÃO SUMÁRIA).

3.1. Sistemas Processuais Penais: O Processo Acusatório E O Processo Inquisitório. Evolução Histórica Dos Dois Tipos De Processos
Com o exercício público da justiça penal ou com o exercício da justiça penal pelo Estado, o processo penal ganhou maior relevância, pela importância atingida pelas actividades de investigação, de recolha de provas, de determinação da culpa em fim de todas as actividades tendentes a verificação dos pressupostos da aplicabilidade das penas realizando nos casos concretos o direito penal substantivo.
As diferentes formas de desenvolvimento, características e estrutura com que se identifica o processo penal permitem dividi-lo em dois tipos diferentes: o processo do tipo acusatório e o processo do tipo inquisitório.
3.1.1. O Processo Do Acusatório  
  É assim chamado por começar com a acusação.
Na sua versão primitiva, o ofendido apresentava o criminoso perante o tribunal e acusava-o de viva voz. No princípio o acusador era o ofendido, com o passar do tempo a acusação passou a ser feita pelo povo directamente ou por um representante seu. Nos tempos modernos o Estado criou um órgão para este fim: o Ministério Público atribuindo-lhe a titularidade da acção penal.
Deduzida a acusação, o tribunal geralmente colectivo, ouvia o acusado e recolhia as provas apresentadas por cada uma das partes: acusado e acusador estavam perante o tribunal em posição de perfeita igualdade, e o tribunal limitava-se a ouvi-las e apreciar as provas que as partes apresentavam e a decidir, como um árbitro objectivo, imparcial e justo.
As partes dado o seu papel constitutivo no processo penal podiam influenciar o rumo do processo.
O juiz era passivo e sem iniciativa em relação a investigação. O processo era quanto a forma regido pelos princípios da oralidade, da publicidade e da contraditoriedade.
A apreciação da prova era livre e a sentença fazia caso julgado. Presumindo-se sempre a inocência do acusado este tipo de processo, quase desconhece a prisão preventiva.
3.1.2. O processo inquisitório
Começa com a fase da investigação, dirigida por um juiz, com vínculos estreitos ao Estado, o qual representava e de quem dependia. Investigação, com frequência começava com base numa denúncia secreta, precedia a acusação deduzida pelo juiz investigante oficiosamente, o qual, na forma mais primitiva do processo inquisitório, sequencialmente procedia ao julgamento. Assim as funções de investigar, instruir, acusar e julgar estavam reunidas na mesma entidade.
Desaparecia o direito de defesa, o réu não tem qualquer direito e não pode influenciar o rumo do processo.
Quanto a forma o processo é escrito e secreto. A prova era legalmente tarifada, dando-se maior relevância probatória a confissão, tida como rainha das provas e obtida mediante torturas e a sentença não fazia caso julgado. A regra era a prisão preventiva, dada a mera denuncia fazer presumir a culpa do denunciado.
3.1.3. Evolução Histórica Dos Dois Tipos de Processo
Se atentarmos bem nas características do processo acusatório, haverá que concluir ter sido ele o primeiro a surgir na história das instituições judiciárias, remontando a um período anterior ao da justiça privada, momento em que a justiça era privada, tendo o poder se limitado a estabelecer regras para a contenção e controlo da vingança privada.
O processo acusatório na fase da justiça pública, manifestou-se em Atenas, com o princípio da acusação popular e afirmou-se no direito romano, entre o fim da república até ao império, com as suas quaestiones que começaram a aplicar-se apenas a certos crimes, passando a abarcar a todos delitos públicos, na dinastia de Augusto.         
      Neste tipo de processo era necessário que um cidadão (acusator) em nome do povo, acusasse o arguido. As partes interessadas alegavam oral e publicamente e produziam provas. A questão era decidida por uma assembleia ou júri (quaestio perpetua), presidida pelo pretor (sem direito a voto), na base da convicção de cada um dos membros, pois o voto era secreto. Era um sistema acusatório puro, pois havia uma manifesta separação entre a acusação, a defesa e o julgador e a publicidade, a oralidade, e a igualdade entre acusador e réu perante um ju8iz imparcial, disciplinam o processo (Barreiros, ob.cit., 19). Na época do império, a jurisdição passou para o imperador que a exercia directamente ou por representantes seus sem quaisquer limites: tendo os magistrados sido equipados com poderes de instrução, com a tortura como prática usual e geral. O processo penal romano evoluiu assim para um processo do tipo inquisitório, cuja vigência foi suspensa aquando da conquista do império pelos povos bárbaros (germanos, bárbaros, franceses visigodos, dentre tantos) os quais tinham um processo penal com características acentuadamente acusatórias. Todavia, a suspensão foi em momentos posteriores a conquista levantada, tendo o processo do tipo inquisitório se governado de modo absoluto o auge da idade média europeia ( séc. XVII e XVIII) e aos alvores do século XIX, por influência da igreja Católica e do direito canónico, o qual definia um processo penal essencialmente inquisitório, ao qual se denominava inquisição, contemplando no início uma série de regras que constituíam uma relativa garantia para os acusados. Durante o Pontificado de Bonifácio VIII se transformou num processo inquisitório puro.
O processo começava com um denúncia geralmente anónima, ou rumor público oficiosamente. O processo era secreto e escrito. O arguido era totalmente desinformado em matéria relativa ao conteúdo da sua infracção, a identidade dos denunciante e testemunhas, sendo obrigado a se defender às cegas. A confissão era a rainha das provas e era geralmente obtida sob tortura extrema. O julgamento era secreto e ao réu não se reconhecia o direito de defesa, sendo obrigado a aceitar o defensor «fantoche» que lhe era oferecido pelo tribunal.
Presumia-se a culpa do acusado o que permite a sua salvação da condenação apenas pela impossível prova da sua inocência. Este tipo de processo influenciou decisivamente o processo penal e serviu magnificamente aos monarcas absolutos para defenderem os seus omnímodos poderes, como diz Prieto Morales. O processo do tipo inquisitório é ligado ao despotismo político e ao fanatismo religioso.
Este tipo de processo reinou ao serviço do poder central e absoluto dos reis, mantendo as suas características inalteradas: predomínio da investigação, e acusação oficiosas, acumulação das funções de investigar e de julgar no mesmo magistrado, instrução escrita, sobrevalorização da confissão como meio de prova, controlo estadual da prova, uso da tortura, uso e abuso das presunções e das provas legais, na Europa até nos finais do séc. XVIII, com excepção da Inglaterra, onde o processo apresentava e apresenta características do processo do tipo acusatório[4].
Foi este processo que os precursores da revolução francesa propuseram como o modelo de justiça democrática.  
3.2. O processo misto     
O Acusatório, porém, muito cedo, manifestou-se como excessivamente liberal para os revolucionários, e inadequado à protecção dos interesses do nascente Estado burguês, sendo acusado de favorecer excessivamente os criminosos e estar na origem do alarmante aumento da criminalidade.
Entenderam, por isso, adoptar um sistema que, sem grave diminuição das garantias individuais do acusado, maxime do direito de defesa, repelisse com êxitos as investidas contra os interesses e valores fundamentais da nova sociedade, reduzindo o índice da criminalidade.
Surgiu, assim, incorporado no Code de Instruction criminelle de França em 1811, o sistema misto, também denominado sistema napoleónico. Este processo era caracterizado por ser um processo do tipo inquisitório na fase da instrução preparatória, secreta, escrita e acusatório na fase de julgamento, pública, oral e contraditória. E as duas fases não são presididas pela mesma entidade.
É hoje o sistema dominante em quase todo mundo, incluindo em países socialistas, verbi gratia: Cuba, como em cuba sendo apenas de realçar que nestes pela participação popular na administração os tribunais são todos colectivos, sendo compostos por um juízes juristas e leigos.[5] 
A evolução do processo penal está intimamente ligada ao reforço ou à diminuição da autoridade do Estado e a importância reconhecida aos cidadãos dentro do Estado. Quanto mais a autoridade do Estado se reforço maior é a tendência inquisitória do processo penal. E, quanto maior a importância do cidadão para o Estado, maior será a tendência acusatória do processo penal.
Contudo, o processo do tipo inquisitório é um instrumento perfeito para a defesa dos interesses do Estado autoritário e totalitário, em prejuízo dos direitos processuais do acusado. E o processo do tipo acusatório é um processo virado a protecção dos direitos tanto ofendido como do ofensor, assegurando a igualdade processual, a realização da justiça material. E, as formas de processo misto reflectem também, a maneira como o Estado se organiza, e o papel que os cidadãos desempenham dentro dele. Variando o seu predomínio de acusatório a inquisitório consoante se atribua maior relevância para os interesses totalitários do Estado ou aos direitos fundamentais do cidadão. Com a democratização do mundo, nas últimas décadas, há uma tendência cada vez maior, da adopção de sistemas mistos com tendência acusatória, mas  com largos poderes de investigação concedidos quer na fase inicial aos agentes de instrução, quer aos juízes da causa, na fase de julgamento.
3.3. O Processo Penal em Angola. Fases do processo: descrição sumária.
É misto o tipo de processo instituído pela legislação penal angolana:
Uma fase de investigação e recolha de prova (instrução), chamada fase de pré-processo da instrução preparatória, ou ainda da formação do corpo de delito, complementada por uma subfase de instrução contraditória.
Uma fase de julgamento, presidida pelo Juiz, a que corresponde o processo principal, na qual se procede a aplicação do direito substantivo, pela imposição da pena ao autor do crime.
E, uma fase da execução da pena cominada pela sentença condenatória.
Na fase de instrução preparatória, presidida pelo Ministério público (…), é secreta, escrita.
A execução das penas é da competência exclusiva dos órgãos de administração penitenciária, integrada no Ministério do interior (Lei nº 12/78), salvo no que toca a resolução de questões sobre o início, duração, suspensão da pena, extinção da responsabilidade penal e conversão da pena de prisão, que são da competência do juiz (artigos 625º e 628º do CPP).
Em alguns casos surge a necessidade de reapreciação da pena, em função da perigosidade social e criminal, visando agravar ou reduzir a pena, em processos de segurança e processos de libertação condicional ( arts. 43º e 44º da Lei nº 20/88 de 31 de Dezembro).
 A fase da instrução do processo pode ser dividida em duas sub-fases: fase da instrução preparatória ou corpo de delito e a fase da instrução contraditória.
O processo penal começa com a notícia ou conhecimento da infracção. Conhecimento  que se basta com a simples suspeita da existência da infracção. Sendo assim, este conhecimento, a base de um Juízo de suspeita, de que se cometeu um crime e de certa pessoa o cometeu. O Juízo de suspeita preside a instrução preparatória, caracterizada por um conjunto de actividades, oficiosas, realizadas no sentido de confirmar a suspeita inicial e reunir provas sobre a existência do crime e a identidade do seu agente e a sua forma de participação no crime. Se a por falta ou insuficiência de prova a suspeita não se confirma, o processo fica a aguardar pela produção de melhor prova ou arquivado.
Com a confirmação da suspeita, na fase da instrução preparatória, o Ministério público, deduz a acusação.
Acusação esta, que é uma manifestação de um juízo de probabilidade. Através dela o processo é introduzido em juízo e assume a natureza de processo judicial, tão logo o juiz confirme o juízo de probabilidade, pronunciando o acusado.
O despacho de pronúncia é a confirmação pelo juiz do juízo de probabilidade sobre a existência real do crime e da pessoa do arguido e põe termo a fase da instrução (art. 365º CPP).
  Havendo necessidade de se proceder a novas diligencias de provas e de complementar a investigação e a instrução dirigida pelo Ministério publico, abre-se, oficiosamente, a requerimento da acusação ou a requerimento da defesa, uma nova fase, chamada instrução contraditória, presidida pelo Juiz (…), sendo estruturalmente uma fase de partes, semipública, tendo o arguido contra o Ministério Público, na realização das diligências e recolha de provas.
                 Com o despacho de pronúncia definitivo, isto é depois da instrução contraditória, quando tiver lugar, começa a fase do julgamento pela qual se transformará o juízo de probabilidade em juízo de certeza, através de uma decisão, que considerando a verificação ou não da infracção penal, aplique ao réu a sanção prevista na lei.
A essa decisão pode se recorrer para uma instância judicial superior, gerando uma nova fase, a fase dos recursos.


[1] Estudante do 4º Ano da FDUAN. Licenciado no ano Lectivo 2012
[2] V. Dr. José A. Barreiros, in Processo Penal – I fls 24
[3] Palavras de G. Stefani , G. Levasser e B. Bouloc
[4] O processo penal inglês, possui duas partes, uma de cada lado, em situação de absoluta igualdade, que discutem contraditoriamente a lide perante um juiz passivo, mas atento. A acção penal é do povo, sendo exercida pela polícia, agindo como um simples particular. Mesmo se passa nos Estados Unidos de América , sendo apenas de realçar que naquele país , a acção penal é pública, sendo exercida pelos attorneys, que representam o Estado (A. Barreiros, Ob. Cit. Página 104 e Seguintes.    
[5] Para maiores desenvolvimentos sobre o sistema do tipo socialista vide Direito Processual Penal – Noções Fundamentais, Grandão Ramos, Página 32).   

27 comentários:

  1. não pude fazer a leitura e interpretação completa do vosso trabalho, todavia, é curial aqui deixar o meu incentivo, sigam firme na direcção das vossas metas. porque o pensamento cria, o desejo atrai, e a fé realiza, quero com isto dizer que colocam sempre Deus na frente de tudo e todos. bem haja. José Ferreira (1º ano Dtº Universidade Metodista)

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  2. Muito bom poder ver que o direito processual angolano se assemelha tanto ao brasileiro. Muito bom poder ter essa proximidade processual

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    1. Pois é.

      Somos muito idênticos em muitos aspectos.

      Especialmente em aspectos jurídicos.

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  3. Muito bom poder ver que o direito processual angolano se assemelha tanto ao brasileiro. Muito bom poder ter essa proximidade processual

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  4. Prezados, foi bom ler alguns trechos do vosso escrito. Não tenho nenhuma crítica pelo contrario dou o meus parabéns pela iniciativa, aproveitei o máximo, pude aproveitar saber um pouquinho da justiça material.

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  5. Muito bom, Dr! Espero ler com mais profundidade, desde já, meus agradecimentos pela matéria. Muita força!

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  6. O post ajudou me a matar algumas duvidas que eu tinha concernente ao Direito Processual Angolano. Continue ensinando, pois, será sempre um prazer aprender convosco, sempre digo, MUITO OBRIGADO!

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  7. Prezados, foi ter lido na sua íntegra este post,muitas dúvidas foram dissipadas, espero que continuem nesta trilha.

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  8. Votos de uma boa noite ilustres!
    Grata Estou por ler uma matéria do meu inteiro interesse.
    Ora bem!
    Uma questão...
    Como é verificada a nulidade em processo penal Angolano.

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    1. Nós agradecemos a vossa leitura. Esperamos que tenhamos percebido a Vossa Pergunta, nomeadamente, que quer saber de que modo se nota que há nulidade no processo.
      Existem determinadas inobservâncias ou violações da lei processual penal em Angola que o legislador angolano considera nulidade. Basta que se verifique uma das violações consideradas nulidades, verifica-se igualmente a nulidade. A nulidade, nos termos da lei processual penal, pode ser invocada por qualquer uma das partes ou apreciada oficiosamente ou por iniciatuva do Tribunal e, na maioria dos casos, importa a nulidade do acto praticado em violação das normas da lei processual e os actos seguintes.

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  9. PREZADOS, FELICITAÇÕES POR ESTÁ MAGNIFICA AULA. PODEMOS REFLETIR PROFUNDAMENTE SOBRE DIREITO E PROCESSO PENAL ANGOLANO. CONTINUEM ASSIM. OBRIGADO!

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  10. Obrigada pela ajuda,rico material que haja mais disponibilidade em divulgar matérias jurídicas em função da escassez de materiais angolano

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  11. Pude esclarecer algumas dúvidas sobre esta máteria que muito me interessa

    Obrigada por disponibilizar esta matéria e que venham mais .

    Os meus cumprimentos.

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  12. Eu preciso do material completo. Será que é possível fazer a gentileza de publicá-lo?
    Por favor.

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  13. Obrigado ilustre pelo material... Desejo forças e muita garra.

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